Por Carlos Alberto Faria Teixeira
Iniciei a minha carreira como professor na Educação Básica 2005 e atuo na Rede Pública e Privada de Ensino em São Paulo. Tenho formação em História e Filosofia, e uma especialização em formação de professores. Os primeiros anos da minha carreira profissional basearam-se em transmitir conteúdos e preparar os estudantes, tanto para alcançar os resultados nas avaliações ordinárias da instituição de ensino quanto para as avaliações externas, tais como: Vestibulares, Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), Avaliações de Aprendizagem Progressiva, concursos públicos, entre outras. Por muito tempo, preocupei-me em atribui valor somente aos boletins escolares e, consequentemente, reduzia meu trabalho a estimular a competição entre os estudantes.
Nos últimos anos, mudei o foco pedagógico de meu trabalho docente e busquei compreender porque muitas vezes ficava frustrado: em primeiro lugar, com os resultados abaixo da média alcançados pelos estudantes,: em segundo lugar, com a cobrança da coordenação pedagógica da escola; por fim, com os constantes embates que travava com as turmas porque forçava-os a estudar sempre mais tendo em vista somente a busca de resultados. Soma-se a isso o incômodo que experimento quando encontro aleatoriamente meus ex-alunos em algum lugar e se apresentam encabulados por não cursarem uma graduação, ou por não passarem em um concurso público, pois gravou-se na memória deles as minhas constantes advertências durante as aulas. Percebo na fisionomia deles e delas muita apreensão e vergonha.
Comecei a frequentar o grupo de estudos em Edith Stein, orientado pelo Professor Juvenal Savian Filho, no final de 2013. A partir de então, posso dizer que a minha vida pessoal e profissional mudou muito e a minha atuação como professor passou a ser mais humanizada. Fui também inspirado pelas palavras do professor e filósofo Éric de Rus impressas em seu livro sobre a concepção de educação para Edith Stein: “A visão educativa de Edith Stein fundamenta-se sobre ‘ uma ontologia da pessoa ‘[ que concebe o ser humano como unidade tripartite de corpo, alma e espírito[1] e passei a direcionar o olhar às pessoas em sua dimensão humana.
Uma citação marcante do livro A Estrutura da Pessoa Humana de Edith Stein, estudado por nós há alguns anos, ressalta a preocupação da filósofa em destacar o estatuto ontológico da pessoa : “Olho um ser humano nos olhos e o seu olhar me responde. Deixa-me penetrar em sua interioridade ou me repele. Ele é senhor de sua alma e pode abrir ou fechar as portas”[2]. Diferentemente, nos animais percebe-se uma alma muda e prisioneira que não consegue se compreender, saber o que sabe, incapacitada de conhecer a si mesma. Refletindo na relevância do pensamento de Edith Stein para a educação, converti minha atuação pedagógica na direção da formação da pessoa humana, distanciei-me de uma educação excessivamente “bancária” e aproximei-me de um olhar humanizado.
Fundamentar o processo educativo somente em avaliações externas está longe de ser uma educação capaz de promover e desenvolver a pessoa humana na sua totalidade. Um outro trecho do livro de Éric de Rus, sintetiza em poucas palavras as dimensões da pessoa humana, além de apresentar um caminho para pensarmos o estudante como um sujeito dotado de “interioridade”:
Para sublinhar a relação essencial entre essas dimensões da pessoa, Edith Stein descreve a alma como um “espaço – e mesmo um castelo com muitos cômodos – onde o eu é capaz de se mover livremente, ora saindo, ora penetrando mais profundamente no seu interior”[3]. Ela define a alma como uma “fonte escondida”[4] a partir da qual o ser vivo é configurado e “extrai o seu ser para aparecer como uma forma visível[5]” em um corpo. É dessa fonte escondida que se eleva a vida espiritual da pessoa humana[6]; a característica do espírito, no sentido do que é espiritual, é precisamente esse sair de si a partir da interioridade[7]. A espiritualidade da pessoa humana se expressa como “abertura/receptividade em direção ao interior”[8] (o retornar para si, em direção ao mais profundo de seu ser, para apreender-se a si mesmo), como “abertura/receptividade em direção ao exterior” (saber algo diferente de si mesmo: o mundo, os outros) e, ainda mais radicalmente, como dom total de si [9].
A vida intelectual é fundamental, a “formação (Bildung) não é a posse exterior de um saber, mas a forma (Gestalt) que reveste a personalidade humana sob a influência de múltiplas forças formadoras, ou ainda, o processo dessa formação”[10]. Sendo o ser humano “um ser que possui um corpo, uma alma e um espírito[11]”, não apenas a dimensão intelectual, mas também o corpo não deve ser deixado de lado na visão educativa de Edith Stein.
Desde o meu contato com o pensamento de Edith Stein busco constantemente aflorar nos estudantes a dimensão humana que essa Autora ressaltou em suas obras, que significou para mim uma verdadeira conversão pessoal, profissional e pedagógica. A caminhada já é duradoura, e embora ainda não tenha conseguido ingressar no mestrado, sou muito grato por participar deste grupo.
Edith Stein apresenta uma forma diferente de educação.
A proposta da Filósofa é o ser humano na sua totalidade. Para ela, a educação é tripartite: passa pelo corpo, pela alma e o pelo espírito, vistos como distintos, mas não separados. A formação da pessoa humana tem a finalidade do cuidar do corpo, de aprofundar as questões da alma (vida psíquica) e apontar um caminho ao eterno (por meio das faculdades espirituais: o pensar, o sentir e o agir livres). Uma educação focada somente no corpo, ou somente na alma, ou ainda no espírito é uma formação incompleta.
O desafio dos professores de filosofia no ensino médio é apresentar os conceitos filosóficos de modo rigoroso, ao mesmo tempo em que os aproxima da vida comum. O livro didático do Professor Juvenal tem uma preocupação especial em formar a intelectualidade, mas não se distancia da realidade do jovem que está no mundo. Os exemplos utilizados por ele: a banca de jornal; a placa de transito; o grafite e a pichação; o conto dos Quatro Mendigos de Rumi; a história popular de A Centopeia Confusa, entre outros, enriquecem o trabalho em sala de aula e aproximam a juventude da filosofia, entrelaçando a vida cotidiana e o pensamento acadêmico de modo intelectual, rigoroso e filosófico..
O professor Juvenal aposta em eixos temáticos na composição dos capítulos. É um modo diferente de fazer filosofia – tradicionalmente, ancorada no tempo histórico – e os estudantes gostam dessa “provocação”, no bom sentido da palavra, porque a disciplina filosófica ganha leveza e, também, torna-se um “refúgio mental” se comparada a outros componentes curriculares do Ensino Médio.
Eu utilizo o livro escrito pelo Professor Juvenal desde de 2018, na Escola Estadual Dr. Vital Fogaça de Almeida. A experiência tem sido maravilhosa e os estudantes confirmam a necessidade de debater e pensar no sentido da existência, no amor, na amizade, na lógica, na felicidade, na natureza, na experiência religiosa, enfim, falar da vida e do mundo.
A obra possibilita expandir o diálogo com todas as disciplinas do ensino médio e sempre motivo os estudantes a perceberem a importância de conectar o pensamento filosófico aos outros componentes curriculares do ensino Médio para formar bem o repertório intelectual. O debate em sala de aula é estimulado por conta do formato da escrita do livro: os estudantes buscam aprofundar e gostam de conversar sobre os temas apresentados nos capítulos.
Aconselho a outros
professores de filosofia a recorrerem a esse livro do prof. Juvenal Savian
Filho, como livro didático principal ou como livro de apoio para enriquecer as
aulas.
Você pode encontrar a resenha do livro “Filosofia e Filosofias: existência e sentidos” do prof. Juvenal Savian Filho no link: http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/Sintese/article/view/4101
Você também pode adquiri-lo através do link: http://grupoautentica.com.br/autentica/livros/filosofia-e-filosofias/1416
[1] RUS, Éric de. A Visão Educativa de Edith Stein: aproximação a um gesto antropológico integral; tradução: Isabelle Sanchis… [et al.]; revisão técnica: Juvenal Savian Filho. Belo Horizonte: Ed. Artesã, 2005, p.54.
[2] STEIN, Edith. La struttura della persona umana, 2000, p.124.
[3]STEIN, E. L’être fini et l’Être éternel , p. 372 (ver também p. 429). A imagem do castelo interior foi tomada do livro Das Moradas (ou Castelo interior) de Santa Teresa d’Ávila. Entende-se, é claro, que tais imagens espaciais “buscam significar algo que está totalmente fora do espaço e como tal não pode ser representado por nada que pertença ao campo da experiência natural” – La science de la Croix. Passion d’amour de Saint Jean de la Croix. Paris: Béatrice-Nauwelaerts, 1975, p. 172 ( La science de la Croix). Apud Éric de RUS. A Visão Educativa de Edith Stein, p. 55.
[4] STEIN, E. L’être fini et l’Être éternel, p. 368. Apud Éric de RUS. A Visão Educativa de Edith Stein, p. 55.
[5] Idem.
[6] “Sua vida espiritual se eleva de um fundo escuro, ela sobe como uma chama de vela brilhante” – Ibidem, p. 364. Apud Éric de RUS. A Visão Educativa de Edith Stein, p. 56.
[7] “Visto que a vida pessoal é um sair de si e, ao mesmo tempo, um ser, mas um ser que permanece em si mesmo – essas duas propriedades caracterizam a essência do espírito –, o ser pessoal é igualmente um ser espiritual” – Ibidem, p. 362. Apud Éric de RUS. A Visão Educativa de Edith Stein, p. 56.
[8] STEIN, E. De la personne humaine I, p. 141. Apud Éric de RUS. A Visão Educativa de Edith Stein, p. 56.
[9] RUS, Éric de. A Visão Educativa de Edith Stein: aproximação a um gesto antropológico integral; tradução: Isabelle Sanchis… [et al.]; revisão técnica: Juvenal Savian Filho. Belo Horizonte: Ed. Artesã, 2005, p.55-56.
[10] STEIN, E. Les fondements de l’éducation féminine, p. 91. Apud Éric de RUS. A Visão Educativa de Edith Stein, p. 56.
[11] STEIN, E. L’être fini et l’Être éternel, p. 363. Apud Éric de RUS. A Visão Educativa de Edith Stein, p. 56.
Carlos Alberto Faria Teixeira possui Licenciatura em História pela Universidade de Guarulhos (2006), Bacharel e Licenciatura em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu (2010), Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo (2017) e Especialização em Formação de Professores com ênfase no Magistério Superior pelo Instituto Federal de São Paulo. Atualmente é professor da Escola Nossa Senhora da Penha, professor da Escola Dr. Vital Fogaça de Almeida e professor do Colégio Civitatis. Participa do Grupo de Estudos: O Pensamento de Edith Stein da Unifesp.