Pedagogia

Edith Stein inspira as mulheres a assumir os desafios do tempo presente

Edith Stein vivenciou tempos sombrios, situações-limite. Sabemos que em tempos de crises profundas, é necessário separar o essencial do acessório, o que é precioso do que é vil.

Por meio desta entrevista ao repórter Daniel Gomes, do Jornal O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo, Magna Rocha apresenta Edith Stein como inspiração e testemunho de alguém que soube ser resposta para os desafios concretos que a vida lhe apresentou.


O SÃO PAULO – Judia de nascimento, batizada no catolicismo aos 30 anos e ingressante no carmelo aos 42 anos. Nos dias de hoje, em que se ressalta o protagonismo feminino, Edith Stein, que viveu na primeira metade do século XX, pode ser considerada uma mulher à frente de seu tempo?
Magna Celi Mendes da Rocha – Prefiro considerar que a grande marca de Edith Stein foi a de ser uma mulher “do seu tempo”. Uma mulher que soube viver profundamente imersa nas questões que seu momento histórico lhe impôs, sem sucumbir a elas. Tinha uma percepção muito apurada da realidade e utilizava todos os recursos que possuía para contribuir e transformar. Viveu durante as duas Guerras Mundiais, tendo servido como enfermeira da Cruz Vermelha durante a Primeira Guerra. Viveu como mulher em um período de lutas pela emancipação feminina, pelo direito ao voto, abertura das universidades para as mulheres, entre outras conquistas. Viu o surgimento e crescimento do nazismo, sofreu forte perseguição, mas em cada um desses acontecimentos procurou dar sua contribuição a partir de seus escritos, seu trabalho, seu ser mulher, sua vida colocada a serviço até as últimas consequências.

A partir da biografia de Edith Stein, como pode ser entendido este protagonismo feminino? Em que difere do que alguns grupos radicais feministas dão a essa expressão?
Edith Stein, em sua história de vida, foi influenciada por três grandes mulheres: sua mãe, Teresa de Ávila e Nossa Senhora. A senhora Auguste Stein ficou viúva, com sete filhos, com idades variando entre 1 e 17 anos, e com dívidas a serem pagas. Os familiares, com quem tinha um relacionamento muito estreito, especialmente os irmãos, aconselharam-na a vender o comércio, pagar as dívidas e contar com o apoio familiar para o que fosse necessário. Contrariando a todos, ela decidiu tocar os negócios do marido e os fez prosperar, tornando-se uma grande comerciante de madeira da região.
Com sua mãe, Stein aprendeu o valor da fé, do trabalho e a importância da família. Teresa de Ávila tinha vivacidade, bom humor, coragem e determinação, que marcaram profundamente a vida de Stein, a ponto de, mais tarde, tornar-se carmelita. Em Nossa Senhora, via a expressão mais profunda de maternidade, não restrita apenas ao círculo familiar, mas uma maternidade espiritual, como a Mãe de Misericórdia, arraigada do amor universal.
Marcada pelo testemunho dessas mulheres, Edith Stein acreditava no protagonismo e na emancipação femininas. Participou do movimento feminista alemão, do movimento sufragista (em defesa do voto feminino), acreditava no potencial feminino para além do ambiente doméstico, mas não aderia a todas as pautas indiscriminadamente, sobretudo as que negavam as diferenças entre homens e mulheres e propagavam a aversão ao Matrimônio e aos filhos. Para ela, a contribuição que a mulher poderia dar à sociedade seria a partir de sua singularidade feminina, não como uma sósia ou inimiga dos homens, mas em sua feminilidade, maternidade e empatia.

Antes da entrada de Edith Stein no carmelo, ela teve intensa produção pedagógica e acadêmica. Quais os traços essenciais dos escritos que ela produziu?
Edith Stein tinha forte interesse pela formação humana. Desejava uma educação que formasse o ser humano em todas as dimensões (corpo, psique e espírito), não apenas uma pseudo formação, voltada somente para a aquisição de conteúdos, o que ela chamava de “formação enciclopédia.” Embora ainda não utilizasse a expressão educação integral, era assim que concebia uma formação autêntica. São, ainda hoje, comuns propostas formativas reducionistas que visam preparar “para o mercado de trabalho”, “para o vestibular”, “para o pensamento crítico.” Isoladamente, nenhuma dessas propostas é suficiente. Sua obra pedagógica sofreu forte influência de São Tomás de Aquino, de modo que não concedia uma formação apenas para essa vida, mas buscava formar homens e mulheres em vista da eternidade.

Esse olhar para a educação que ajude a uma formação humana integral teve ramificações em outras áreas do saber ao longo do século XX?
Esse olhar integral ou holístico sobre o ser humano tem sido valorizado nas mais diversas áreas do conhecimento. O Papa João Paulo II, na Encíclica Fides et ratio, recorda a necessidade de se alcançar uma “visão unitária e orgânica do saber”, uma vez que “a subdivisão, enquanto comporta uma visão parcial da verdade com a consequente fragmentação do seu sentido, impede a unidade interior do homem de hoje” (1998, 84).

Na cerimônia de canonização de Edith Stein, São João Paulo II afirmou que ela conseguiu compreender que o amor de Cristo e a liberdade do ser humano se entretecem, porque o amor e a verdade têm uma relação intrínseca. Quais passagens da vida de Edith Stein reforçam o que disse o Papa?
A busca pela verdade foi um grande motor da vida de Stein. Ela afirmava que quem busca a verdade, ainda que não saiba, busca a Deus. Em sua vida adulta, mesmo quando esteve distante de questões religiosas, tinha uma abertura às pessoas e suas necessidades. Esse compromisso com os outros e às questões do tempo presente colocaram Edith Stein em um compromisso renovado e livre que foram forjando sua personalidade.
Ela vivenciou tempos sombrios, situações-limite. Sabemos que em tempos de crises profundas, é necessário separar o essencial do acessório, o que é precioso do que é vil. Stein foi sendo conduzida a uma busca cada vez mais profunda a respeito da essência das coisas, seguindo o método fenomenológico e, pela via da fé, a uma busca incessante pela verdade sobre o ser humano, sobre si mesma. Suas vivências vão forjando sua personalidade, conduzindo-a por caminhos não planejados, mas livremente assumidos, até as últimas consequências. Edith Stein é uma autora que personifica a coerência entre vida e obra.

O quão importante é atualmente falar de uma mulher com tantas virtudes?
O protagonismo de Edith Stein é fruto de uma vivência autêntica de fé, primeiramente herdada de seus antepassados, depois assumida como algo pessoal. O sentido de pertencimento ao povo judeu e responsabilidade social, ampliadas pela experiência cristã, potencializaram suas marcas de coragem, ousadia e determinação. Ela é um testemunho que inspira muitas mulheres ao redor do mundo a assumir os desafios próprios de seu tempo e comprometer suas vidas, assumindo sua missão pessoal, a serviço do bem comum, onde quer que estejam inseridas: na família, no trabalho, na política, nos estudos etc.

O que as mulheres de hoje têm a aprender desse itinerário de fé vivido por Edith Stein?
A vida e obra de Edith Stein inspiram as mulheres a ter coragem de viver seu próprio caminho, com autenticidade, feminilidade, maternidade humana
e/ou espiritual, sabendo que cada pessoa é única e um dom a serviço dos outros. Sua vida nos ensina a não nos deixar aprisionar por extremismos, modismos, visões ultrapassadas que desfiguram ou menosprezam as nossas potencialidades femininas.

Fonte: http://www.osaopaulo.org.br/noticias/edith-stein-inspira-mulheres-a-assumir-os-desafios-do-tempo-presente

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