Pedagogiasobre Edith Stein

A formação da pessoa em Edith Stein, princípios educativos e aproximação com o Sistema Preventivo de Dom Bosco

Edith Stein e Dom Bosco

Autoras:
Adair Aparecida Sberga1
Marina Massimi2

Resumo

O artigo apresenta o conceito de formação da pessoa concebido por Edith Stein a partir da sua investigação de base antropológico-filosófica sobre a constituição da pessoa. Seguindo o método fenomenológico, Stein descreve a estrutura do ser humano para poder apresentar o conceito de formação. Explica que, pela análise da origem da matéria, o corpo humano é preenchido por uma forma interior, a qual tem a propriedade de atualizar as potencialidades contidas no ser da matéria. Essa atualização acontece por meio de um processo formativo, o qual plasma o material até fazê-lo assumir uma forma, segundo um arquétipo. No caso do ser humano, a forma que ele deve assumir é a que está inscrita no seu núcleo pessoal. Por isso a atividade formativa tem que penetrar na alma da pessoa e chegar ao seu núcleo, no qual está sua originalidade pessoal. A partir dessa constatação, chegou-se a uma aproximação com o Sistema Preventivo de São João Bosco, que afirma que “em todo jovem há um ponto acessível ao bem”. Esse “ponto acessível” não é outra coisa que a alma humana, e, assim, os princípios pedagógicos propostos por Bosco se fundamentam na antropologia filosófica de Stein e podem ser descritos como itinerários educativos para a formação de crianças, adolescentes e jovens.
Palavras-chave: Formação. Pessoa. Edith Stein. Sistema Preventivo de Dom Bosco.

Abstract

The article introduces the concept of the formation of the person understood by Edith Stein from her anthropological-philosophical-based survey about the person’s constitution. By following the phenomenological method, Stein describes the structure of the human being so that she is able to introduce the concept of formation. She explains that, through the analysis of the matter origin, an inner shape, which has the propriety to update the potentialities held in the matter being, fulfills the human body. That updating occurs through a formative process, which molds the material until it makes it adopt a shape, according to an archetype. In the human being case, the shape that he must adopt is that one that is registered in his personal nucleus. Therefore, the formative activity has to penetrate the soul of the person and reach its nucleus, where his personal originality is. From that verification, naturally, an approach to Saint Giovanni Bosco’s Preventive System was reached, which affirms “in every youth there is a point accessible to good”. That “accessible point” is not other thing than the human soul and, thus, the pedagogical principles purposed by Bosco are justified on the philosophical anthropology by Stein, and they may be described as educational itineraries for children, adolescents and youths’ formation.
Keywords: Formation. Person. Edith Stein. Dom Bosco Preventive System.

Resumen

El artículo presenta el concepto de formación de la persona diseñado por Edith Stein de su investigación base antropológica y filosófica de la constitución de la persona. Siguiendo el método fenomenológico, Stein describe la estructura del ser humano para poder introducir el concepto de la educación. Se explica que el análisis del origen del cuerpo humano en bruto se llena con una forma interior, que tiene el potencial para actualizar está contenida en el campo. Esta actualización ocurre a través de un proceso de capacitación, lo que da forma a la materia para que sea en una forma, de acuerdo a un arquetipo. En el caso del hombre, la forma en que debe tomar es la que se introduce en el núcleo de personal. Por lo tanto, la actividad de formación tiene que penetrar en el alma de la persona y llegar al núcleo, donde es su originalidad personal. Sobre la base de este hallazgo se llegó a un acercamiento con el Sistema Preventivo de Don Bosco, que establece que “todo joven hay un punto de buena accesible”. Este “punto de acceso” no es más que el alma humana y por lo tanto los principios pedagógicos propuestos por Bosco se basan en la antropología filosófica y Stein se pueden describir como itinerarios educativos para la formación de niños, adolescentes y jóvenes.
Palabras clave: Formación. Persona, Edith Stein. Sistema Preventivo de Don Bosco.

Introdução

A pesquisa sobre a formação da pessoa surge de inquietações advindas do contexto escolar, no qual como educadoras, e também percebendo semelhantes preocupações entre os profissionais da educação, sentimo-nos constantemente provocadas a encontrar fundamentos, meios, recursos e procedimentos que, efetivamente, colaborem na formação das novas gerações.

Cada época histórica traz seus movimentos progressivos, suas inovações, seus dramas e seus conflitos. O contexto atual, concebido como a era do conhecimento, preconiza que o sujeito humano deve estar no centro da realidade histórica: é nele que devem ser investidos os recursos e a ele devem ser oferecidas as possibilidades para o aprimoramento da sua performance formativa e das suas condições de vida pessoal e social. Sendo assim, perguntamo-nos: o que é formar uma pessoa? Como um educador, psicólogo ou agente da formação pode contribuir no processo formativo de uma criança, jovem ou adulto? Será que para a formação e para a autoformação basta proporcionar cursos, ensinar teorias, métodos e técnicas? Se fosse assim, por que diante de tanta formação que se recebe a vida não muda?

Esses questionamentos propulsionaram um estudo sobre a formação da pessoa, fundamentado na antropologia filosófica de Edith Stein (1891-1942), cuja contribuição de filósofa e educadora é hoje amplamente reconhecida, tanto pelo seu legado acerca do conhecimento da estrutura do ser humano quanto pelo método fenomenológico por ela adotado, que permitiram descrever de modo analítico o conceito de formação e suas implicações. O estudo foi conduzido conforme o método da história conceitual: de fato, focamos alguns conceitos abordados em obras de Stein em uma perspectiva temporal, acompanhando o itinerário da elaboração desses conceitos, realizado pela autora. O uso da perspectiva histórica, com efeito, conforme assinalado pelo historiador Henri-Irenée Marrou (1978), proporciona a possibilidade de ordenar o fenômeno abordado e explicá-lo de forma coerente e precisa. Além do mais, conforme sugere Michel De Certeau (2002), a pesquisa histórica deve implicar a consciência do lugar social em que o pesquisador está inserido, o que confere legitimidade à exigência de empreender o estudo dos conceitos de Edith Stein a partir de nosso lugar social de educadores. Com esse procedimento, propomos como objetivo da pesquisa: compreender as questões basilares do conceito de formação da pessoa e apresentar princípios que possam auxiliar o trabalho educativo para itinerários de formação de crianças, adolescentes e jovens.

Fundamentos da antropologia filosófica para o ato formativo

Segundo Stein, o ato formativo deve estar em consonância com a antropologia filosófica, concepção já defendida pela autora na obra “A estrutura da pessoa humana”, originada dos escritos produzidos por ela durante o semestre de inverno de 1932-1933, quando trabalhou no Instituto de Pedagogia Científica de Münster, lecionando para jovens que estavam se preparando para ser futuras professoras. Ao assumir essa posição, Stein se distanciava de toda uma corrente de pensamento que pregava a autonomia das ciências da educação com relação à filosofia e que, pelo contrário, preconizava uma estreita relação delas com a psicologia, devido ao interesse dessas ciências em tornarem científica suas práticas, conforme o modelo da época.

Em suas aulas, a filósofa era incisiva ao dizer que “a pedagogia constrói castelos na areia se não encontra uma resposta à pergunta ‘quem é o homem?’”(STEIN, 2000, p. 54), porque é em base à concepção antropológica que se elaboram as ações pedagógicas que favorecerão a formação da pessoa. Sendo assim, a concepção antropológica é a que dá a base de sustentação para o ato pedagógico. Todavia, não serve qualquer tipo de antropologia para o ato pedagógico, porque nem todas as abordagens concebem a estrutura do ser humano de forma totalizante e unitária. É nessa perspectiva que Stein recorre à fenomenologia e aos seus métodos para a construção de uma antropologia filosófica adequada para fundamentar as ciências humanas. Stein realizava análises das principais concepções antropológicas que vigoravam na cultura da época, assinalando as suas consequências para o mundo da educação. Analisava, por exemplo, a visão dos teóricos idealistas, cuja concepção otimista em relação ao ser humano, concebido como “[…] pessoa livre, chamada à perfeição, um membro da cadeia do inteiro gênero humano que se aproxima progressivamente do ideal de perfeição” (STEIN, 2000, p. 39), seria, segundo Stein, questionada pelos próprios acontecimentos históricos contemporâneos. Depois analisou a antropologia dos adeptos da psicologia do profundo, baseada na psicanálise, segundo a qual as pulsões determinam a vida psíquica com força invencível e, com isso, dá-se uma “[…] destronização do intelecto e da livre vontade soberana” (STEIN, 2000, p. 41). Também discutiu a visão de Martin Heidegger e seus adeptos, cuja filosofia existencial considera o ser humano como o “ser aqui”, condenado a viver em uma realidade determinada. Uma visão desafiadora que, segundo a autora, provoca desilusão e, em muitos casos, desmotiva os jovens para a busca de perspectivas futuras. Stein julgava essas visões antropológicas como reducionistas, porque, ao enfocar somente alguns aspectos da condição humana, não desenvolvem uma análise global das dimensões da estrutura da pessoa. Disso decorre a urgência de um conhecimento adequado de quem é o ser humano por meio do método fenomenológico.3

A antropologia filosófica em consonância com o ato formativo

Tendo constatado a essencialidade da antropologia à pedagogia, faz-se necessário averiguar qual é a antropologia que dá sustentação ao ato pedagógico e, para isso, buscamos referência em Stein, por constatar abrangência e coerência em sua análise.

Stein afirma ser inadequada uma antropologia que se fundamenta nas ciências da natureza, a qual parte de uma tipologia geral para classificar o ser humano (povos, raças, descrições morfológicas, estruturas e leis de desenvolvimento do corpo etc.) e não o compreende na sua concretude e individualidade. A educação, além de conceber o ser humano na sua singularidade e individualidade, deve compreendê-lo como uma totalidade, composto de corpo vivente e alma; como também para o ato pedagógico é necessário saber que o ser humano faz parte de um todo, ou seja, de um povo, que tem características e costumes próprios e que precisa ser formado não só como indivíduo, mas também como parte desse todo. Assim, a filósofa faz a opção não pela antropologia que segue a via da ciência da natureza – orientada exclusivamente ao mundo material e às suas leis universais –, mas por aquela que segue a ciência do espírito, que vai em busca da característica peculiar do ser humano, isto é, da sua individualidade:

Ao ser humano pertence a individualidade e, portanto, não o compreendemos se não a atingimos. Este princípio, porém, vai muito além daquilo que uma descrição da individualidade humana pode sugerir. Coloca-se como uma afirmação sobre o ‘ser humano como tal’ e, portanto, como princípio de uma ciência que se pode chamar, com maior razão, antropologia.

(STEIN, 2000, p. 60)

Essa antropologia é compreendida como uma ciência que busca o que é universal em todos os seres humanos. Também é universal a sua individualidade, concebida como plenitude do ser, ou seja, como ser espiritual. A filósofa explica que a antropologia inspirada na ciência da natureza mostrou sua inadequação em relação às questões da individualidade e também não apresentou critérios adequados de como se tratam as questões supraindividuais, como etnia e humanidade. Por isso não tem como se incorporar ao ato formativo, o qual deve ter presente essas questões. A pedagogia, buscando uma compreensão abrangente do ser humano e do seu processo formativo, necessita de uma antropologia que abrace também a sua estrutura espiritual, ou seja, a alma humana, desconsiderada na época de Stein quanto na atualidade. Com isso, Stein delineia um alicerce, propõe um eixo, uma estrutura que dê fundamentação para sua teoria e prática pedagógica. Afirma ainda que isso é necessário:

[…] porque formação e educação devem compreender o ser humano na sua totalidade de corpo vivente e alma, é importante para o educador conhecer a estrutura, funções e leis do desenvolvimento do corpo (Körper) humano para saber o que pode ser útil ou danoso para um desenvolvimento conforme a sua natureza. É igualmente importante conhecer as leis gerais da vida da alma humana para se levar em conta na obra educativa.

(STEIN, 2000, p. 55)

Além de uma concepção antropológica com enfoque na ciência do espírito, Stein propõe uma teoria e uma prática pedagógica voltada para a formação da pessoa concebida na sua totalidade e isso vai além de uma educação de tipo conteudista e/ ou enciclopédica como muitas vezes é o que se enfatiza na educação ou na formação. A filósofa ainda argumenta que:

A antropologia, que exigimos como fundamento para a pedagogia, deverá ser uma antropologia filosófica que, permanecendo em relação viva com a inteira problemática filosófica, estude a estrutura do ser humano e sua inserção nas formas e nas regiões do ser às quais pertence.

(STEIN, 2000, p. 62)

Partindo da antropologia filosófica, que questiona posicionamentos, ações e tendências, o ato pedagógico desenvolve o seu objetivo e propõe uma formação integral, que, além de contemplar a educação científica e cultural, também conduz a uma “sabedoria de vida” e a uma realização mais condizente e completa da pessoa. Por isso esclarece, em uma de suas conferências, proferida à comissão de formação da Associação das Mulheres Católicas Alemãs, em Bendorf am Rheim, em 1930, que “[…] a formação não é uma posse externa de conhecimentos” (STEIN, 1999a, p. 137). Para a filósofa, a formação (bildung) precisa ser condizente com a estrutura do ser humano, porque só assim a personalidade humana assume a sua forma própria4.

Concepção acerca da estrutura do ser humano

Como discípula de Edmund Husserl (1859-1938), Edith Stein procura conhecer o ser humano na sua estrutura essencial, ou seja, na sua estrutura ontológica. Para isso, utilizando o método fenomenológico, parte da análise das vivências e constata que os seres humanos são formados a partir de três dimensões: corpo, psique e espírito. Como todas as pessoas possuem as mesmas dimensões, é possível reconhecer, por meio das vivências, as bases fundamentais da estrutura da pessoa humana.

Stein assinala que a pessoa registra em sua consciência atos de vivência de três qualidades: o ato perceptivo, que reenvia ao corpo; o ato psíquico, que reenvia à psique; o ato intelectivo ou volitivo, que reenvia ao espírito.

Analisando mais intensamente o ser humano em sua especificidade, constata-se que ele tem uma estrutura pessoal que o diferencia de todos os outros seres da natureza. Como pessoa, pode refletir sobre si mesmo, ser sujeito e o objeto da sua própria reflexão. A pessoa se dá conta daquilo que lhe acontece e também o que acontece ao seu redor. Seu corpo é um corpo vivente (leibniz), porque tem matéria e psique. A vida psíquica aproxima o mundo animal do mundo humano. No entanto, a psique humana é mais complexa, porque o ser humano não tem só estímulo, mas também percepção, que é a primeira operação da atividade intelectual. O ser humano tem possibilidade, com sua mente, de experimentar toda a sua corporeidade, pode sentir seus próprios membros e, por ser consciente do seu corpo, pode conhecer suas emoções e sentimentos. Esses atos são possíveis porque ele possui a psique e o espírito.

O espírito é um plus específico dos humanos, que retrata seu intelecto, vontade e razão. E, por ser uma pessoa espiritual, pode tomar decisões diante de uma situação e sentir-se livre para realizar aquilo que lhe convém. O espírito também é concebido como alma, na qual se encontra o núcleo central da pessoa, que é o que a qualifica com sua especificidade e originalidade própria. Então, o que diferencia o ser humano dos outros seres é a atividade espiritual, a qual lhe permite ter acesso à sua interioridade, ser livre e agir com autonomia.

A filósofa assinala que a unidade entre corpo humano e psique se expressa no corpo vivente (leib), no qual se encontra a força vital sensível, a força física. Na unidade entre a psique e o espírito está a alma, mas a “alma da alma” está no espírito, na parte mais profunda da pessoa; é ali que reside sua força espiritual, sua motivação, sua liberdade e seu querer que lhe permitem agir em vista do bem e da verdade. Mesmo havendo união entre psique e espírito, as duas dimensões permanecem distintas, não significando duas partes separadas, mas uma unidade sem contrastes, que acontece no âmago do ser. Em razão disso, a alma é uma unidade complexa que engloba os aspectos psíquico e espiritual, diferenciados entre si, porém intrinsecamente unidos. A alma humana, por exemplo, é diferente da alma animal. Esta só tem a psique, semelhante ao ser humano na sua impulsividade, reatividade etc., mas não tem o espírito com capacidade reflexiva, consciência de si, autodomínio, vontade etc.

Portanto, o corpo humano é um corpo vivo, dotado de uma alma humana viva, por isso é um corpo animado. Por ser espiritual, o ser humano tem consciência de seu corpo e da sua alma e pode conhecer a si mesmo e agir por si mesmo. Assim, a formação da pessoa é formação dessas estruturas, de modo que elas se desenvolvam e se aperfeiçoem segundo suas características próprias ou sua forma substancial (forma interior), em um dinamismo que tende à completude. Compreende-se, assim, que é a forma interior que deve traçar o parâmetro do processo da formação, o qual, apesar de ser o mesmo em termos de princípios para todos os seres, é individualizado para cada pessoa e se concretiza por meio de suas vivências com consciência.

É então a via da redução ao sujeito (redução transcendental), do território da vivência com consciência, em que se coloca o foco do processo formativo, ou seja, a pessoa precisa dar sentido, significar e/ou compreender conscientemente o processo de formação que acontece nela mesma e colaborar para que o mesmo aconteça. Conforme a descrição de Stein, a consciência é a luz interior que deve acompanhar as vivências. Não é só a consciência do ato de perceber, mas a consciência de ser um corpo vivente, que se reconhece como vivente e portador de força vital e que possui características pessoais. A vivência com consciência é diferente de um impulso, o qual é um processo que advém da causalidade psíquica; porém, ao se tornar consciente do impulso, a pessoa pode exercer sobre ele uma certa determinação evidentemente acompanhada de influências ligadas à cultura e ao mundo dos valores em que a pessoa está inserida.

Contudo, os atos de vivência são fundamentais, porque o corpo, a psique e o espírito se reconhecem a partir das vivências vindas de dentro do sujeito. A novidade apresentada por Stein é que a pessoa se conhece, em suas dimensões interna e externa, primeiro por meio do próprio corpo e depois por meio da via cognitiva (transcendental), que é a vivência com consciência. Essa é a via do espírito (geist), da avaliação, da motivação e da decisão, que permite ao ser humano qualificar seus posicionamentos. Partindo desses pressupostos, a filósofa descreve o processo da formação.

O conceito de formação

Para explicar o que é formação e como se constitui esse conceito, Stein traça um longo percurso a partir da constatação do “dado de fato” de que o ser existe (assim como assinalado por Descartes – Cogito, ergo sum). Depois segue a trilha da ontologia formal5 e da ontologia material6, para investigar como se formam as coisas que existem e como se principia a matéria, caracterizada como animada ou vivente, que dará origem ao ser humano e a sua estrutura.

Primeiramente, afirma que a matéria, para se manifestar, precisa ser preenchida por uma forma. “A matéria informe não pode existir, essa recebe o seu ser só mediante a forma” (STEIN, 2000, p. 103). É a forma que dá vitalidade à matéria. A forma preenche internamente a matéria e a torna matéria formada, matéria viva. No entanto, a matéria não existe antes da forma, nem a forma, antes da matéria. Uma não deriva da outra. “Desde o primeiro momento da existência a forma age na matéria” (STEIN, 2000, p. 103). Assim, matéria e forma iniciam sua existência ao mesmo tempo, em uma profunda unidade, e uma necessita da outra para existir.

Aristóteles concebe a forma como enteléquia, que é a forma interior que se desenvolve segundo um telos, uma causa final contida nela própria. Tomás de Aquino a chama de forma substancial ou alma e Edith Stein diz que a “forma é força vivente” (STEIN, 2000, p. 183) ou forma vital. Do mesmo modo que essa força dá vida à matéria, também dá vida ao corpo humano. Então, o corpo humano, para ser um corpo vivente, precisa ser preenchido por uma forma, ou seja, a forma humana. Ainda afirma que “a forma vital, a ‘alma’, faz do corpo humano um organismo. Quando nesse vem menos vida, permanece só uma coisa material como as outras” (STEIN, 2000, p. 77). É essa força vital que impulsiona a pessoa a agir e posicionar-se diante dos fatos da vida. Interpretando Stein, Mahfoud (2008, p. 450) diz que “o interessante é que essa força vital não é somente espiritual, ou somente psicológica, ou somente biológica. É a força da pessoa. É uma unidade, cimento entre as dimensões naturais e a dimensão do espírito”.

A força vivente que age no organismo de uma determinada espécie não é forma só desse organismo singular, mas é a forma de todos os indivíduos da espécie. Por isso, na espécie, a forma tem esse caráter que é universal, ou seja, age na totalidade dos indivíduos com o mesmo princípio formativo. Ao mesmo tempo, a forma tem sua especificidade, seu caráter “casual”, que dá uma qualificação singular aos indivíduos da espécie.

No entanto, a forma não se apresenta como matéria inteiramente formada; ela é também potência, que precisa ser desenvolvida para ir se tornando cada vez mais completa, segundo a sua determinação ontológica. Para Stein, esse desenvolvimento da forma, concebido a partir de uma força interna, dá-se por meio do processo formativo progressivo, que tende a uma finalidade, isto é, a conformar-se segundo a forma completa para a qual foi criada.

Então, a formação é a atualização cada vez mais completa da forma em um processo que acontece de dentro para fora. Essa atualização ocorre por meio da força vital, que é um dinamismo imanente na matéria vivente. Esse dinamismo é o que favorece ou não a atualização das potencialidades, a qual se dá segundo a característica própria da espécie da matéria. Nesse sentido, a forma vital de uma planta se desenvolve de modo diferente da forma vital de um animal, a qual, por sua vez, desenvolve-se diferentemente da forma vital do ser humano. Cada espécie se adéqua à força vital presente em sua natureza ontológica, de modo que o ser humano tem algumas potencialidades de escolha sobre essa atualização.

Portanto, para Stein, a formação é um processo conectado com a forma interior. É por isso que, no caso dos seres humanos, a formação não se limita à transmissão de conhecimentos ou saberes de um indivíduo a outro. Vai muito além e de modo muito mais profundo. A formação é um processo de colaboração para o desenvolvimento da pessoa por meio da sua força vital, para que esta se torne aquilo que deve ser, segundo suas potencialidades internas, ou seja, para que se realize em ato o que está prescrito na sua forma substancial. É aqui que se fundamenta a necessidade de conhecer as estruturas universais do ser humano, porque o que precisa ser formado são as aptidões do corpo e da alma. Tal processo começa a acontecer dentro da pessoa, semelhante ao que acontece com a semente de uma planta, que recebe uma forma particular, imbuída de uma potência, que aos poucos vai se desabrochando até se tornar aquilo que está prescrito na sua forma interna.

No entanto, nem sempre o sujeito consegue autonomamente passar de um modo de ser para a outro mais elevado, podendo, muitas vezes, só codeterminar porque a mudança depende de outros aspectos, tais como: as disposições originárias, os contextos sociais, os agentes formadores, as situações motivacionais etc. É um processo que, partindo do externo, aciona o interno e deve atingir o “núcleo” da pessoa, ou, como a filósofa o chama, “a alma da alma”, para dar forma àquilo que é original da sua personalidade.

A formação a partir do núcleo pessoal

O que precisa ser formado na pessoa ao longo de sua vida são todas as dimensões de sua estrutura, que podem ser sintetizadas em seu corpo e sua alma. Stein explica que, do mesmo modo que a planta recebe os nutrientes de que necessita do solo, do clima, dos cuidados da jardinagem, também “[…] o corpo retira esse material de que necessita do mundo físico, a alma do ambiente espiritual, do mundo das pessoas e dos bens de que deve se alimentar” (STEIN, 1999a, p. 137). Conhecemos bem todos os nutrientes, recursos e cuidados que precisam ser oferecidos aos componentes e aos órgãos para que o corpo humano cresça, tenha funcionamento adequado, desenvolva-se de forma saudável e, com sua força física, possa contribuir no desenvolvimento das outras dimensões da estrutura humana.

Quanto à formação da alma, também são necessários nutrientes apropriados para o desenvolvimento de seus órgãos, os quais só se formam quando ativados pelo material que recebe. Parece um tanto inapropriado usar a terminologia “órgãos” para os componentes da alma. No entanto, esse é o termo usado por Stein para descrever a interioridade humana, a qual também é chamada por ela de mundo interior. Para Stein, a formação é um processo contínuo, condizente com a estrutura da pessoa, e tem como objetivo permitir que a personalidade humana assuma a sua forma própria. Desse modo, tal processo só acontece na medida em que envolve a alma humana e possibilita a sua atualização. Para isso, o primeiro passo é conhecer a alma humana e saber como ela é constituída.

Stein diz que alma humana tem muitos órgãos, e o principal deles é a razão, cuja função é ordenar os materiais que chegam do mundo externo, enviando-os para a superfície ou profundidade, para o centro ou periferia da interioridade pessoal. Por esse dado, vê-se que a alma tem amplidão e extensão não em sentido espacial, mas em sentido de consciência do que lhe acontece ao receber o que lhe chega do mundo externo. As potências são outros órgãos da alma, descritos por Stein como forças espirituais: a memória, a imaginação, o intelecto, a vontade, os sentidos e os sentimentos. A alma tem qualidades, também chamadas de propriedades, que são denominadas como pureza, bondade, nobreza etc.; tem estados, que são conhecidos como estados de ânimo, como a felicidade, a alegria, a tristeza, a melancolia, o medo etc.; tem disposições originais, que podem ser definidas como tendências naturais ou aptidões pessoais, que muitas vezes classificamos como vocação, dom, talento etc.

Essas forças espirituais, qualidades, estados e disposições originais são recursos da própria alma humana, são universais, mas se apresentam com características próprias em cada ser. Tais forças são dadas à pessoa em potência e precisam ser desenvolvidas, ou, como diz Stein, atualizadas ou desabrochadas. Para a filósofa, não há um fator determinante que possa acionar o desenvolvimento da alma: “tudo e qualquer coisa” podem fazer desabrochar as qualidades de uma pessoa. Para que esse procedimento aconteça, é preciso que a pessoa se abra para acolher “nutrientes”, que, vindos de fora, ajudem-na a desenvolver suas forças espirituais e façam-na avançar sempre mais para a profundidade de si mesma, em direção ao centro de sua alma.

No centro da alma está o núcleo da pessoa, o território da individualidade, da originalidade e da dimensão mais genuína do ser. Aí é que se encontra o centro específico capaz de orientar e de direcionar toda a vida pessoal. Stein diz que o núcleo é o lugar da verdadeira casa do eu, em que a pessoa encontra a sua paz; é aí que reside a dimensão da liberdade, da motivação, da responsabilidade e do sentido da vida.

Na leitura da biografia de Santa Teresa D’Avila (2005), que descreve a interioridade humana como um castelo interior, Stein encontra a melhor definição de núcleo da pessoa. O castelo interior de Teresa tem sete aposentos. À medida que a pessoa cresce no aperfeiçoamento pessoal, ela adentra sempre mais na profundidade de si mesmo e se aproxima de seu aposento principal, de seu núcleo. No entanto, também pode acontecer de a pessoa ficar nos arredores do castelo, viver a maior parte do tempo de sua vida ancorada no muro de vedação sem nunca, ou quase nunca, chegar à profundidade de si mesmo. Quem chega ao núcleo descobre a beleza de sua própria existência, mas, para isso, precisa fazer o caminho das sete moradas, que Teresa descreve em seu texto. Ao fazer o percurso para chegar ao núcleo, que é um movimento de conhecimento pessoal e laboriosidade interna, a pessoa chega à sétima morada: o centro da alma, sua interioridade mais genuína. E aí se dá o encontro da criatura humana com seu Criador. E aí a pessoa percebe sua dignidade e chega à verdade de si mesma, ao mais alto grau de felicidade que se pode alcançar na terra. A sétima morada revela à pessoa que ela é a obra mais perfeita de toda a criação. Por isso a sétima morada é chamada por Stein de “alma da alma”, ou seja, é o lugar da tomada de consciência de si mesmo, o lugar em que se aloja a faculdade da decisão livre, do discernimento refinado, da autonomia, da autoaceitação, da verdade daquilo que se é enquanto obra divina.

O conceito de núcleo central da pessoa demonstra que, na profundidade da interioridade humana, encontra-se a abertura para o ser divino. Essa abertura faz a pessoa retornar para o mundo exterior de forma mais qualificada, buscando o bem de si, do outro e de toda natureza criada. Portanto, os aposentos do castelo interior são estágios que o ser humano percorre para chegar ao encontro definitivo e conclusivo com a Verdade, que é a meta que o ser finito busca. E qual é a meta? É o encontro da criatura com o Criador, porque é aí que se compreende a razão última ou o sentido pleno da existência da criatura. É por isso que a verdadeira formação deve incidir na alma, na profunda essência da pessoa, pois só assim ela encontra a verdade de si mesma e pode se tornar aquilo para a qual foi criada.

Assim como a terra, a água e os nutrientes ajudam a semente a se tornar uma bela árvore, com o ser humano acontece o mesmo. A educação, que se origina da palavra latina educere, é justamente isso: tirar de dentro do ser humano, da sua alma, as potencialidades nela contidas. Portanto, o processo educativo ou formativo é a via que tem o poder de tocar no núcleo central da pessoa. Só assim a existência ganha sentido e razão de ser. E, quando essas experiências são partilhadas, tornam-se nutrientes também para a formação de outros, um processo que acontece pelo ato empático.

Itinerários que direcionam para o núcleo da alma ou para “ponto acessível ao bem”

A formação que conduz para o núcleo da alma promove a autoformação e é uma condição para a formação de outros. O educador, convicto de que é chamado para essa tarefa, em concordância com os educandos, que são os primeiros responsáveis pela própria formação, e em colaboração com diversos atores da formação, procura os meios e os procedimentos adequados para chegar aonde é necessário no processo formativo.

No que diz respeito aos itinerários educativos para a formação de crianças, adolescentes e jovens, é interessante constatar a correspondência entre a abordagem teórica apresentada por Edith Stein e o método educativo de Giovanni Melchiorre Bosco e seus seguidores, denominado Sistema Preventivo7. Esse método, baseado em princípios e valores, procura conhecer o educando a partir de sua condição pessoal e desenvolve um processo de formação global para atingir o seu núcleo central.

Bosco afirmava que “[…] em todo jovem, mesmo naquele que se encontra numa situação deplorável, há um ponto acessível ao bem, e o primeiro dever do educador é buscar esse ponto, esta corda sensível do coração e tirar proveito da mesma” (LEMOYNE; CERIA; AMADEI, 1948, p. 367). Bosco foi um educador que não realizou uma pesquisa antropológica exaustiva como Stein, a fim de chegar a fundamentações teóricas do trabalho educativo – sem, contudo, certamente, desconsiderar que era um homem versado em conhecimentos antropológicos, filosóficos e teológicos, pelos estudos recebidos no seminário –, mas aprendeu, com a sua prática educativa e sacerdotal, a conhecer os jovens a partir deles mesmos, escutando-os e, sobretudo, tendo uma imensa capacidade de acolhê-los a partir de suas condições de vida.

Esse “ponto acessível ao bem” parece-nos assemelhar-se ao conceito steiniano de núcleo pessoal, como o lugar necessário aonde o educador deve chegar para tirar proveito, para acionar as propriedades, qualidades, potências e forças ali contidas. Por isso Bosco dizia e comprovava em sua prática educativa que, mesmo nos jovens marginais e marginalizados de quem se ocupava, a descoberta desse ponto acessível ao bem podia realizar um profundo processo de transformação. É com base nisso que, em certa ocasião (25 de abril de 1884), em uma entrevista para o Journal de Rome, Bosco disse que “[…] o talento [do educador] consiste em descobrir nos meninos os germes de suas boas disposições e em aplicar-se a desenvolvê-los” (LEMOYNE; CERIA; AMADEI, 1948, p. 367).

Para chegar a esse “ponto acessível ao bem”, Bosco propôs um trinômio de princípios, que propomos aqui incrementar, enriquecer e fundamentar pelas teorias propostas por Stein, de modo a identificar possíveis itinerários educativos.

O primeiro princípio é a formação da razão como orientação para o bem pensar a partir da fundamentação das teorias das ciências humanas e das ciências da natureza, as quais propiciam competências para formar opiniões claras, conceitos corretos e juízos verdadeiros, diante de todas as situações da vida. A razão também no sentido de formar para o bom senso, para o juízo moral e ético, ajudando os educandos a compreender a importância de cumprir normas, seguir regras sociais, analisar com razoabilidade os diversos fatos e aspectos do cotidiano, no intuito de viver com dignidade, coerência e colaboração na comunidade e sociedade. Nesse sentido, a convivência comunitária e grupal se tornam meios propositivos para a formação: dá-se espaço privilegiado ao diálogo construtivo, partindo da reflexão sobre a ação, em vista da consciente tomada de posição daquilo que se faz e do modo como se faz, além do que se pode e se deve fazer em vista do bem. Ainda, criam-se possibilidades para o desenvolvimento de bons hábitos, bons propósitos e retidão de caráter.

Resumindo: o princípio da razão proposto por Bosco se refere à formação das forças ou potências espirituais da alma apresentada por Stein, que formam as estruturas do intelecto para fazer pensar criticamente, tomar decisões e agir corretamente, a partir de atos livres, ou seja, aprimorar a razão como capacidade de juízo, de orientação da vontade, de emprenho frente a um projeto de vida; aperfeiçoar os sentidos para qualificar os sentimentos e viver com harmonia e segurança; ampliar a capacidade da memória e da imaginação para se tornarem pessoas produtivas, criativas e inovadoras; desenvolver as próprias disposições originais para colaborar, de modo qualificado e promissor, com seus dons e talentos no crescimento da comunidade etc.

O segundo princípio é a formação da espiritualidade como disponibilidade dinâmica e aberta para a vida, para os outros e para Deus. A espiritualidade é uma dimensão enraizada no centro da pessoa, na sua profundidade mais íntima. Segundo Stein, essa é dimensão da interioridade pessoal, do núcleo central (“alma da alma”), ou, como dizia Bosco, do ponto acessível ao bem, que se enquadra na descrição do castelo interior de Teresa D’Avila. Aqui, espiritualidade não quer necessariamente dizer uma vivência religiosa específica, mesmo que a abertura para a dimensão da espiritualidade possa conduzir mais facilmente à adesão a uma crença religiosa.

O terceiro princípio é a formação da capacidade afetiva como elaboração interior, que se faz de intermediária entre a razão e a espiritualidade, participando de ambas enquanto receptividade no mais íntimo e resposta desse íntimo. Por isso o amor, como recorda Stein (1999b, p. 459), citando Duns Scotus, “[…] é a coisa mais livre que possa existir” e a mais gratificante que se possa experimentar. Assim, a experiência do amor ultrapassa a dimensão corporal, sensual e física e remete à dimensão da vivência com amorosidade, bondade, alegria, paz e felicidade. Para Bosco:

A afetividade do jovem é a fonte de energia que se usará no trabalho de educação. A educação é coisa do coração e ganhar o coração do jovem é a condição essencial para que se consiga trabalhar na formação dele.

(FERREIRA, 2008, p. 12)

Trata-se de uma arte e uma habilidade que o educador deve adquirir e testemunhar. Bosco chama de amorevolezza esse princípio do Sistema Preventivo, o qual nada mais é que o afeto e a bondade incondicional. Stein se refere a esses aspectos como propriedades ou qualidades da alma, que precisam ser desabrochadas. Portanto, a via para se chegar à alma humana, ou ao ponto acessível ao bem, é a do afeto, do amor demonstrado, seguindo a orientação de Bosco que afirma que não basta amar a criança ou o jovem, mas é necessário que eles se sintam amados .

Dentre esses três princípios (razão, espiritualidade e amor) do Sistema Preventivo de Bosco, necessários para elaborar os itinerários educativos, o terceiro tem a supremacia, pois além de dar unidade entre os outros dois, é o que principia, define e determina a relação educativa e o fim do processo formativo. O amor é a síntese dos princípios educativos. Portanto os três princípios se constituem em uma unidade pelo amor, que, vigorando em conjunto, têm o escopo de direcionar para a unidade pessoal e para o núcleo da alma.

Considerações finais

Vimos que, segundo Stein, a formação (bildung) não é um conjunto de conhecimentos e informações que a pessoa adquire, mas é um processo que, estimulado pelo mundo externo, ativa a força vital (forma interior). Esta modela o corpo e a alma segundo o próprio arquétipo (ou a própria imagem), em um movimento que atualiza formas germinativas próprias da pessoa, enraizadas no seu núcleo pessoal. Para essa ativação, além da dimensão da autoformação, há a necessidade de agentes formadores externos que colaboram no desenvolvimento do material preexistente na pessoa, com a intenção de formar a sua estrutura e a sua personalidade. O processo formativo não pode ser algo uniformizado, pois cada pessoa tem suas características de originalidade e unicidade.

Apesar de já nascer com uma forma substancial, o ser humano não nasce pronto. Ele é um “projeto” que deve se atualizar e, por isso, necessita de uma formação que o ajude no processo do autoconhecimento e do desenvolvimento de suas potencialidades. Por fazer parte do dinamismo interno da pessoa, a formação, de acordo com Stein, deve chegar à vida íntima da alma, que é a dimensão mais elevada e profunda da pessoa. Para isso, a filósofa recorre às experiências dos místicos e se atém à experiência de Teresa D’Avila, sobretudo no que diz respeito à imagem do castelo interior (STEIN, 2002) para descrever a alma humana, até chegar ao seu centro. Esse processo é a realização máxima da potencialidade humana e aí se desvela todo sentido da existência da pessoa.

No intuito de elaborar itinerários educativos para crianças, adolescentes e jovens, constatamos que os princípios pedagógicos do Sistema Preventivo de São João Bosco correspondem plenamente à fundamentação teórica do processo de formação descrito por Stein. Enquanto ela apresenta uma base teórica de sólida fundamentação, ele concretiza uma prática educativa com crianças, adolescentes e jovens que conduz ao núcleo pessoal, ou “ao ponto acessível ao bem”, aspecto central e primordial do processo formativo. Com base na fundamentação dada por Stein, os princípios pedagógicos de Bosco podem ser elaborados como itinerários educativos para a formação de crianças, adolescentes e jovens.

Sem ações objetivas ou sem um itinerário educativo, é raro ou quase impossível que as pessoas desenvolvam suas disposições originais, de acordo com as amplas e refinadas propriedades e possibilidades contidas na essência de seu ser. E, sem um processo formativo que conduza ao núcleo da alma – porque somente aí o eu pessoal age livremente e é plenamente consciente de seus atos –, não se colabora para que o ser humano desenvolva uma integração harmônica da sua personalidade e seja um cidadão qualificado tanto nas áreas científicas, culturais e técnicas quanto nos valores morais e éticos.

Referências

D’ÁVILA, Teresa. Il castello interior. 43. ed. Alba(Cuneo): Edizioni Paoline, 2005.
DE CERTEAU, Michel. A escrita da história. Tradução de M. L. Menezes. 2 ed. São Paulo: Editora Forense Universitária, 2002.
FERREIRA, Antônio da Silva. Não basta amar… A pedagogia de Dom Bosco em seus escritos. São Paulo: Editora Salesiana, 2008.
LEMOYNE, Giovanni Battista; CERIA, Eugenio; AMADEI, Angelo. Memorie biografiche di Don Giovanni Bosco. vol. V e XVII. Turim, Itália: Tipografia e Libraria Salesiana, 1948.
MAHFOUD, Miguel. Unidade da pessoa segundo Edith Stein: contribuições à educação para a nutrição. Psicologia, São Paulo: USP, v. 19, n. 4, p. 447-454, out./dez. 2008.
MARROU, Henri-Irénée. Sobre o conhecimento histórico. Tradução de R. C. de Lacerda. Rio de Janeiro: zahar Editores, 1978.
PEZZELLA, Ana Maria. L’antropologia filosofica di Edith Stein: indagine fenomenologica della persona umana. Roma: Città Nuova, 2003.
STEIN, Edith. A mulher: sua missão segundo a natureza e a graça. Tradução de A. J. Keller. Bauru, SP: EDUSC, 1999a.
____. Essere finito e essere eterno: per una elevazione al senso dell’essere. Tradução de A. M. Pezzella. 4. ed. Roma: Città Nuova Editrice, 1999b.
____. La struttura della persona umana. Tradução de M. D’Ambra. Roma: Città Nuova Editrice, 2000.
____. Natura persona mistica: per una ricerca Cristiana della verità. Tradução de T. Franzoni, M. D’Ambra e A. M. Pezzella. 3. ed. Roma: Città Nuova Editrice, 2002.

Autor

Notas

  1. Doutora em Psicologia. Mestre em Educação. Coordenadora do curso de Pós-Graduação em Pastoral Juvenil do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL). Diretora Executiva da Rede Salesiana de Escolas. E-mail: adair.sberga@rse.org.br
  2. Doutora em Psicologia. Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Presidente da Sociedade Brasileira de História da Psicologia. E-mail: mmassimi3@yahoo.com
  3. Ainda que a Stein e outros filósofos tenham alertado sobre a importância dessa questão há décadas, ainda hoje, nos cursos de pedagogia, não se contempla um estudo sistemático e profundo da antropologia filosófica, confrontando com as visões atuais, salvo raras exceções e, por isso, na maioria das vezes se inviabiliza uma unidade entre o ato pedagógico e a formação da pessoa.
  4. As publicações de Stein sobre a problemática educativa estão compiladas nos escritos “Ganzheitlichs Leben: schriften zur religiösen Bildun” (A vida como totalidade: escritos sobre a educação religiosa), que agrupa ensaios e conferências de 1926 a 1938, no texto “Die Frau: ihre aufgabe nach natur und gnade” (A mulher: sua missão segundo a natureza e a graça), que recolhe conferências que vão de 1928 até 1932, e a obra “Der Aufbau der menschlichen Person” (A estrutura da pessoa humana), escrita em 1932-1933, quando foi docente do Instituto Superior de Pedagogia, em Münster (PEzzELA, 2003).
  5. É a doutrina das formas do ser. São vários os sentidos que se podem atribuir ao termo: formas geométricas, que aparecem nas coisas visíveis; a forma dos corpos viventes, que é formada pela força intrínseca (enteléquia), a qual dá forma exterior à matéria, conferindo-lhe uma estrutura formada como organismo; a forma das coisas materiais, que se forma a partir de uma ideia, semelhante a do carpinteiro que idealiza um móvel.
  6. É a doutrina da formação da matéria, ou do material, que se compreende a partir da análise do devir (vir a ser) da matéria e do como esta se mostra com suas qualidades: cor, som, tamanho, espessura etc. Com suas ideias materiais, por exemplo, um artista dá forma a um bloco de mármore, formando uma estátua; já a partir de formas vazias, a matéria se mostra com um caráter sensível.
  7. Bosco nasceu em 1815, em Becchi, norte da Itália, e morreu em 1888, em Roma. Com 26 anos, tornou-se padre diocesano e, em 1859, criou a Sociedade de São Francisco de Sales – Congregação dos Padres Salesianos. Fundou Oratórios para acolher e educar jovens pobres e abandonados. Criou cursos de alfabetização, oficinas profissionalizantes, tipografias e publicou várias obras de cunho popular e religioso. Seu escopo era formar os jovens por meio das ciências e das artes, conduzi-los à prática da religião a fim de afastá-los da periculosidade. Para isso, criou o Sistema Preventivo, um conjunto de princípios, método e espiritualidade. Seu lema era “formar o bom cristão e o honesto cidadão