sobre Edith Stein

2021: Centenário do ponto alto da conversão de Santa Edith Stein

Para os estudiosos do pensamento de Santa Edith Stein/Santa Teresa Benedita da Cruz o ano de 2021 é muito importante, pois marca o primeiro centenário do ponto alto do processo de conversão de tal santa e filósofa, quando, a partir da leitura do “Livro da Vida” de Santa Teresa de Jesus, Deus começa a dar-lhe respostas a suas vitais inquietações particulares e fazê-la experimentar em primeira pessoa o que é ser cristã católica com profundidade. Para marcar tal importante momento, é que o presente artigo vem ser uma reflexão sobre o esse fenômeno que foi um verdadeiro “divisor de águas” em sua vida.

Inicialmente é válido apresentar, com as palavras da própria Santa Edith Stein, o evento que comemoramos o centenário, para logo após elaborar uma reflexão e fazer pontuais e pertinentes esclarecimentos. Assim ela nos conta em sua autobiografia recém traduzida em versão crítica para o português:

Aproximadamente dez dias depois de minha volta de Beuron, veio-me o seguinte pensamento: Afinal, não estaria na hora de entrar no Carmelo? O Carmelo era a minha meta já havia doze anos, desde o verão de 1921, quando caiu em minhas mãos o livro da Vida de nossa Santa Teresa e minha longa procura pela verdadeira fé chegou ao fim1.

A partir desse breve relato é extremamente importante considerar uma série de esclarecimentos acerca de tal processo de conversão, pois nesses cem anos muitas reflexões foram feitas e muitas informações foram acrescentadas em tal evento, que o tornou simplório. Consequentemente, muitas vezes ele é descartado ou tratado com menos importância quando se empreende uma reflexão sobre o pensamento e a vida de Santa Edith Stein.

Por isso, é importante esclarecer que o processo de conversão de Santa Edith Stein não foi um simples acontecimento, reduzido a uma simples leitura de um livro, mas se deu em um momento de um longo processo de conversão – no mais profundo do que o fenômeno de conversão significa. Conversão, em grego “μετανοία”, significa: “transformação essencial de pensamento ou de caráter e transformação espiritual”2. Nas palavras da Dra. Maria Clara L. Bringemer,

a conversão de Edith Stein foi profunda, a ponto de mudar totalmente a sua opção de vida. Em razão de sua adesão ao cristianismo, teve que realizar, de certa forma, rupturas com a família, com a profissão e com o trabalho intelectual. Entretanto, a sua adesão ao Cristo e a Igreja Católica não eliminou dela a consciência de sua pertença ao povo de Israel3.

Mas é relevante pensar que a leitura do “Livro da Vida” de Santa Teresa de Jesus foi um importante aspecto de tal processo de conversão, e é exatamente o centenário dessa leitura é que em 2021 se está comemorando – o que explica o título do presente artigo não ser “2021: centenário da conversão de Santa Edith Stein”, mas “2021: Centenário do ponto alto da conversão de Santa Edith Stein”, pois parte do princípio que a leitura dessa importante obra da literatura cristã-católica não resume e nem encera o processo turbulento e profundo de conversão de tal santa.

Conforme apresentado na autobiografia de Santa Edith Stein, não é possível precisar com exatidão o dia em ela leu tal obra, ela apenas apresentou que aconteceu no verão de 1921 (que no Hemisfério Norte inicia-se com o solstício de verão, entre os dias 20 e 21 de junho e seu término ocorre entre os dias 22 e 23 de setembro4).

Este é um fato importante para quem quer conhecer o pensamento e a vida de Santa Edith Stein que só é possível com profundidade quando se empreende a leitura de sua autobiografia, escrita por ela já como carmelita em 1934, no início da perseguição nazista aos judeus, intitulado na tradução crítica brasileira como “Vida de uma família Judia e outros escritos autobiográficos”, onde, nas palavras da própria Stein, ela diz ser um escrito que não é “uma apologia do judaísmo”:

Cabe a quem se sente instado a fazê-lo desenvolver a “ideia” de judaísmo, defendê-la contra falsificações, apresentar o conteúdo da religião judaica ou escrever a história do povo judeu. Uma literatura abundante está à disposição daqueles que se interessam pelo tema. Pretendo simplesmente descrever, com toda simplicidade, o que eu conheço da condição judaica. É um testemunho, entre tantos outros já publicados ou que ainda virão a sê-lo. Trata-se de fornecer informações àqueles que desejam ir às fontes com imparcialidade5.

Quando acima se apresentou a informação de que a leitura do “Livro da Vida” de Santa Teresa de Jesus, ocorrida em 1921, não resumiu e nem encerou o processo de conversão de Santa Edith Stein, na verdade se quis dizer que tal processo não foi “um passe de mágica”, ou seja, que tal leitura apenas trouxe uma mudança de pensamento acadêmico/religioso, mas que esse foi um momento importante, o “ponto alto” ou o “termino do processo inicial de sua conversão” que demandou tempo, pelo menos seis anos: entre 1915, quando ela começa a ter contatos com a fé no hospital da Cruz Vermelha, na Primeira Guerra Mundial, passando por suas inquietações pessoais na elaboração de sua tese de dourado “Sobre o problema da empatia”, defendida e aprovada com “suma cum laude” no dia 03 de Agosto de 1916, até 1921 quando realiza a leitura da autobiografia de Santa Teresa de Jesus.

Outro ponto importante, que precisa ser esclarecido, é que quando Edith Stein terminou a leitura de tal obra teresiana, ela não disse ter “encontrado Verdade”, como comumente se diz ao apresentar esse fato da vida de Stein, mas disse ter “encontrado a verdadeira fé”. É um detalhe importantíssimo que só percebe aquele (a) que estuda com profundidade e cuidado a vida e a obra de Santa Edith Stein, além de compreender que primeiro ela se tornou cristã e depois se tornou católica – depois de um longo processo de reflexões fenomenológicas, também a partir da leitura de outros místicos católicos, como Santo Agostinho, Santo Inácio de Loyola, São João da Cruz, e a própria Santa Teresa de Jesus – que fez concluir que o centenário que se comemora nesse ano de 2021 é a conversão de Stein ao catolicismo, algo que se dará de forma mais profunda com seu batismo, na Igreja de São Martinho, em Bergzabern, com o nome Edith Teresa Hedwig Stein, tendo sua amiga, a filósofa Hedwig Conrad-Martius, de confissão protestante, como sua madrinha – fato que se comemorará o centenário no dia 01 de janeiro de 2022.

Esse é um valioso esclarecimento, pois se ela tivesse dito isso, implicar-se-ia pensar que ela cessaria sua busca pela Verdade, o que – quando se tem a honestidade intelectual por princípio na vida acadêmica e se faz a leitura das obras steinianas – se constata que isso não aconteceu. Edith Stein buscou Verdade por toda a sua vida, entendendo-a como a busca de Deus, pois, “‘Quem procura a verdade, consciente ou inconscientemente, procura a Deus’, como ela mesmo escreveu a uma freira beneditina”6.

A nota número 20 da obra “Vida de uma família judia” na versão da tradução crítica brasileira é muito esclarecedora e conclui com maestria a reflexão do parágrafo anterior, por trazer a raiz da noção de que Stein teria dito ter encontrado a Verdade em 2021 com a leitura do Livro da Vida:

Esse ponto oferece a oportunidade de corrigir um erro muitas vezes citado. Na biografia de Edith Stein, escrita por Teresia Renata de Spiritu Sancto (Posselt), lê-se que Edith Stein teria encontrado o livro sobre a Vida de Santa Teresa de Ávila durante sua estada em Bergzabern (ela de fato esteve lá em 30/05/1921, segundo registros policiais), na casa do casal de filósofos Conrad. Contrasta com essa afirmação o testemunho de Agustina (Pauline) Reinach, OSB, que consta do processo de beatificação de Edith Stein, em que podemos ler: “[Augustine] Sabia com segurança, bem como sua cunhada Anne Reinach, viúva de seu irmão Adolf, que Edith Stein pediu, antes de seu retorno de Gotinga, para que a deixassem escolher um presente em sua biblioteca. Edith escolheu o livro de Teresa”. É possível presumir que Edith Stein apenas leu a obra em Bergzabern. Isso também acaba por explicar por que Hedwig Conrad-Martius não conseguiu recordar-se mais tarde de ter conhecido a vida de Teresa. Fato é que o exemplar que está guardado atualmente na igreja paroquial de St. Martin leva o registro com a letra de Hedwig Conrad-Martius: “Verão em Bergzabern, 1921”. Provavelmente, Edith Stein emprestou o livro a seu amigo e patrono e foi retomado posteriormente, porque na página seguinte encontra-se o carimbo do Carmelo de Colônia-Lindenthal. A leitura da vida de Teresa levou Edith Stein a decidir-se por ingressar na Igreja Católica. A adesão ao cristianismo já estava decidida havia alguns anos7.

Não há dúvida que, depois desse longo processo, aconteceu uma profunda transformação interior na vida de Santa Edith Stein, e que os esclarecimentos acima descritos são uma verdadeira “peça-chave” para compreender quando ela se entrega, em 1938, como vítima ao martírio (que só aconteceu definitivamente em sua prisão no Carmelo de Echt no dia 09 de Agosto de 1942), conforme ela narra em seu testamento espiritual, reescrito no dia 9 de junho de 1939, no sétimo dia de seu retiro espiritual:

Aceito, desde agora, a morte que Deus me reservou, em perfeita submissão à sua santa vontade e com alegria. Peço ao Senhor que Ele possa receber minha vida e morte para a sua honra e glória, por todas as intenções dos Sagrados Corações de Jesus e Maria e da Santa Igreja, em particular para a conservação, santificação e realização da nossa sagrada Ordem, especialmente os Carmelos de Colônia e de Echt, em expiação pela incredulidade do povo judeu e a fim de que o Senhor seja recebido pelos seus, para que o seu Reino venha, pela salvação da Alemanha e pela paz do mundo e, finalmente, pelos meus familiares, tanto os vivos como os falecidos, e todos que Deus me deu, para que nenhum deles se perca8.

A partir de tais reflexões se percebem cinco pontos na vida e no caminho inicial de santa Edith Stein, que fazem dela A Santa, A Filósofa, A Mística, ou seja, O modelo de ser humano que o século XXI precisa:

  • O testemunho: para Stein, o outro é importantíssimo para qualquer momento do processo de formação da pessoa humana. Em sua própria formação espiritual não foi diferente, pois ela precisou de bons exemplos, fiéis a suas convicções religiosas, que a inspiraram: sua fervorosa mãe August Stein; seus amigos Marx Scheler, Hedwig Conrad-Martius, o casal Adolf e Anna Reinach; e seus diretores espirituais, o padre jesuíta Erich Przywara e o abade beneditino Dom Raphaël Walzer.
    Até em seu último momento de vida Edith Stein vai precisar do outro. Ela não é morta sozinha, mas junto à sua irmã Rosa Stein, convertida há poucos anos ao catolicismo;
  • A realidade: é impossível falar do processo de conversão de Edith Stein sem falar da espiritualidade que ela desenvolveu: uma espiritualidade vinculada à realidade. Em momento algum de sua vida ela estudou e rezou algo que fosse distante ou conflitante com sua realidade, ao contrário: ela seguiu o conselho católico de inspiração de Santo Inácio de Loyola “Reza como se vive, porque se vive como se reza”9. É mais um ensinamento que Santa Edith Stein viveu, imprescindível para o os tempos atuais, em que se vive uma pseudoespiritualidade, desvinculada da realidade, com movimentos anacrônicos, que trazem de forma não-dialogada, costumes de outros tempos da história que se configuram em uma verdadeira fuga covarde da realidade, por exemplo, uma retomada abrupta de estudos medievais de uma forma que não esteja atenta às demandas reais da sociedade de hoje, mas que apenas faz um “copia e cola” do passado, e pior, de uma forma não humilde. Edith Stein, se estivesse viva hoje, certamente se distanciaria também de uma pseudo vivência espiritual, que na verdade é apenas o retorno ao intimismo e ao subjetivismo moderno, com uma espiritualidade que fica apenas no âmbito do “eu”, preocupado apenas com “a própria salvação”, certamente ela tentaria apontar a verdade, se distanciando do que percebe como uma espiritualidade não verdadeira;
  • O tempo: seu processo de conversão durou tempo, mas ela o percebeu desde o início, como pessoa atenta ao que acontece a sua volta e em seu interior. É impossível precisar quanto tempo durou esse processo de conversão inicial, dependerá sempre da perspectiva que se tomará ao realizar tal análise: alguns acreditam que foi desde seu nascimento em uma família religiosa até a leitura do Livro da Vida ou seu batismo; outros cogitam que se deu a partir do contato com os feridos do hospital da Cruz Vermelha em 1915 até a leitura do Livro da Vida ou seu batismo. Porém, independente da perspectiva que se toma, uma coisa é certa: para Stein, a conversão não ocorreu em um evento breve, mas foi um processo.

Tais reflexões podem ser mais bem compreendidas, com o auxílio dos ensinamentos do papa Emérito Bento XVI, na sua quinta catequese, no dia 27 de Fevereiro de 2008, dedicada a Santo Agostinho, que ele chama de “um dos maiores convertidos da história cristã”10. O papa emérito define a conversão de Santo Agostinho como:

(…) um verdadeiro caminho, que permanece um modelo para cada um de nós. Este itinerário teve certamente o seu ápice com a conversão e depois com o batismo, mas não se concluiu naquela Vigília pascal do ano 387, quando em Milão o retórico africano foi batizado pelo Bispo Ambrósio. De fato, o caminho de conversão de Agostinho prosseguiu humildemente até ao fim da sua vida, a ponto que se pode verdadeiramente dizer que as suas diversas etapas, podem-se distinguir facilmente três, são uma única grande conversão. Santo Agostinho foi um pesquisador apaixonado da verdade: foi-o desde o início e depois em toda a sua vida. A primeira etapa do seu caminho de conversão realizou-se precisamente na progressiva aproximação ao cristianismo. (…)Compreender que se chega aos outros com simplicidade e humildade, foi esta a sua verdadeira e segunda conversão; (…) terceira conversão: a que o levou todos os dias da sua vida a pedir perdão a Deus. (…) Na última parte da sua vida compreendeu que o que tinha dito nas suas primeiras pregações sobre o Sermão da montanha, isto é, que agora nós como cristãos vivemos este ideal permanentemente, era errado. Só Cristo realiza verdadeira e completamente o Sermão da montanha. Nós temos sempre necessidade de ser lavados por Cristo, que nos lava os pés, e por Ele renovados. Temos necessidade de uma conversão permanente. Até o fim temos necessidade desta humildade que reconhece que somos pecadores a caminho, enquanto o Senhor nos dá a mão definitivamente e nos introduz na vida eterna. Agostinho faleceu com esta última atitude de humildade, vivida dia após dia11.

Pode-se, ainda, aprofundar tais reflexões com a leitura da Carta apostólica Augustinum Hipponensem, de São João Paulo II, de 1986, no décimo sexto centenário da sua conversão, onde o papa elabora uma reflexão acerca do fenômeno da conversão e como se deu na vida desse grande homem, filósofo e teólogo. Tal leitura pode instigar os estudiosos de Edith Stein a perceber como Santo Agostinho a auxiliou, como mais uma referência e testemunho, no seu processo de buscar respostas às suas questões vitais;

  • A integralidade: na homilia de beatificação de Santa Edith Stein, São João Paulo II assim a definiu: “Unida a Cristo crucificado, entregou a sua vida ‘pela paz verdadeira’ e ‘pelo povo’: Edith Stein, judia, filósofa, religiosa, mártir”12. As quatro definições a que são João Paulo II se referem marcando os quatro principais momentos de sua vida terrena, mas o simples fato do papa defini-la dessa forma implica que ela tenha vivido essas quatro dimensões de modo integrado e não uma após a outra, descartando a anterior. Isso mostra que durante e depois de seu processo de conversão ela não se transformou em outra pessoa, pois, cultivava de modo profundo o que se chama de “ressignificação”, integrando no presente as experiências que viveu no passado, não descartando-as, como propõe o positivismo, tão presente no século XX. Tudo isso leva o(a) estudioso(a) de Stein a pensar que ela viveu essas quatro dimensões de modo integrado, de acordo com vários biógrafos;
  • As mudanças: algumas profundas mudanças aconteceram durante o processo de conversão de Edith. Entre elas, é significativo citar:
    • Ela encontra um Deus pessoal e que se fez corpo, diferente do Deus aparentemente impessoal do Antigo Testamento e cultuado pela sua família judaica. Além disso, um Deus que se faz corpo é totalmente diferente da concepção Judaica de que o nome de Deus não pode ser pronunciado ou escrito;
    • Ela presencia uma vivência do luto cristão de sua amiga Anna Reinach, um luto cheio de esperança e conformidade com Deus, baseado na Ressurreição de Cristo, diferente do luto que sua mãe viveu pela morte de seu esposo, a partir da religião judaica, que, por não aceitar o Jesus, como Cristo (Ungido) tem dificuldades de conceber a Ressurreição, como os cristãos;
    • O batismo: com o batismo Stein diz ter tornando-se mais judia, pois compreende que o Deus Cristão é o mesmo Deus do Antigo Testamento, agora em sua interpretação correta. Ela o percebe, especialmente, na leitura dos escritos dos Padres da Igreja, na compreensão de todo o processo da Revelação que dá se, inicialmente, no Antigo Testamento, encontra sua plenitude e realização no Novo Testamento com Cristo e prolonga-se com a Igreja – essa mesma Igreja, mencionada por Santa Teresa de Jesus, cujo escrito autobiográfico confirmou para Edith Stein a sua vocação ao catolicismo, nos últimos momentos de sua vida: “até que enfim morro filha da Igreja!”13 Por isso, Edith percebia-se “mais judia” depois de seu batismo na Igreja Católica, pois “sua origem judaica era para ela motivo de profunda satisfação, pois sua conversão ao Cristianismo a fez encontrar o verdadeiro Deus de Israel. Diante da sua realidade em que se encontra, a ilustre filha de Breslau percebe que sua missão era viver o judaísmo e o cristianismo em unidade redentora”14.
    • O Deus amigo e próximo – o Deus que Edith Stein aprendeu a cultuar na religião Judaica era um Deus aparentemente distante (uma incompreensão e ignorância do que é o Deus do Antigo Testamento, pois é o mesmo Deus do Novo Testamento, um Deus próximo e amoroso). Quando Stein lê no “Livro da vida” que Deus é um Deus próximo e amigo, isso causa uma transformação muito grande. Tendo estudado profundamente o conceito de pessoa em Edmund Husserl, ela se entrega totalmente a esse, Deus que quer relacionar-se conosco como Pessoa;
    • A Igreja – Edith Stein fica impressionada quando, em seu processo de conversão inicial, depara-se com uma pessoa que está passando por uma capela católica com sacolas de compras e entra para conversar com um Deus – Pessoa que está ali, presente. Impressiona-se, também, pelo fato de uma Capela Católica estar sempre aberta – algo muito diferente das sinagogas judaicas e das igrejas protestantes das quais ela já tinha contato com a sua proximidade com amigos protestantes, como sua amiga Hedwig Conrad-Martius e o professor Edmund Husserl.

A partir do estudo das obras de Edith Stein, é possível salientar que ela tinha consciência que todas essas vivências só foram possíveis através da Graça de Deus, ou seja, não apenas através de seus esforços, mas num profundo trato de amizade com Deus – com ensina a mãe espiritual de Stein, Santa Teresa de Jesus – ser formada pela Graça de Deus, assim conservando a humildade e a dependência de Deus, mais um importante ensinamento steiniano para os tempos atuais tão marcados pela indiferença com o Sagrado, pois:

existe… no ser humano uma força interna que tende a desenvolver-se uma determinada direção e que se aproxima, em cego determinismo de uma certa estrutura que é a personalidade madura, totalmente desenvolvida, uma personalidade de características individuais claramente definidas… e só podem formar-se quando ativados em material apropriado… É, portanto a atribuição de tarefas, que vem de fora, que contribui para a formação das forças… as forças formadoras do ambiente espiritual, as mãos humanas formadoras são condicionadas não apenas pela formação primária de dentro, elas vêem confrontadas com mais de uma força formadora interna…. Graças ao livre arbítrio, ele mesmo (o ser humano) pode trabalhar em sua formação, pode acionar livremente suas forças e cuidar de seu desenvolvimento, pode abrir-se livremente às influências formadoras ou recusá-las. Com as forças que vem de fora, também ele está condicionado ao material preexistente nele e à força formadora que lhe é inerente: ninguém pode fazer com que seja algo que não esteja nele por natureza15.

Muito mais se poderia dizer para comemorar esse centenário de Santa Edith Stein, tão caro para nós, seus amigos, admiradores e estudiosos de seu pensamento. De forma sublime resumiu São João Paulo II, que, na homilia da canonização de Edith Stein, definiu e comentou os desdobramentos de seu processo de conversão da melhor maneira possível:

Santa Teresa Benedita da Cruz conseguiu compreender que o amor de Cristo e a liberdade do homem se entretecem, porque o amor e a verdade têm uma relação intrínseca. A busca da verdade e a sua tradução no amor não lhe pareciam ser contrastantes entre si; pelo contrário, compreendeu que estas se interpelam reciprocamente. No nosso tempo, a verdade é com frequência interpretada como a opinião da maioria. Além disso, é difundida a convicção de que se deve usar a verdade também contra o amor, ou vice-versa. Todavia, a verdade e o amor têm necessidade uma do outro. A Irmã Teresa Benedita é testemunha disto. ‘Mártir por amor’, ela deu a vida pelos seus amigos e no amor não se fez superar por ninguém. Ao mesmo tempo, procurou com todo o seu ser a verdade, da qual escrevia: ‘Nenhuma obra espiritual vem ao mundo sem grandes sofrimentos. Ela desafia sempre o homem inteiro’. A Irmã Teresa Benedita da Cruz diz a todos nós: Não aceiteis como verdade nada que seja isento de amor. E não aceiteis como amor nada que seja isento de verdade!16

Por fim, comemorar o centenário da conversão de Santa Edith Stein à fé católica – a partir de um longo processo de conversão inicial que teve seu ponto alto na leitura do “livro da vida” de Santa Teresa de Jesus – é tratá-la como um exemplo de santidade, como alguém que “deixou-se moldar por Deus”, que fez uma experiência com o Sagrado que deu sentido à sua vida – e isso sem deixar de enfrentar a difícil realidade que estava vivendo na primeira metade do século XX, especialmente com as ascensão da ideologia nazista e a perseguição dos judeus. Essa sua atitude faz dela um exemplo espiritual para o Século XXI, que passa por problemas tão graves e urgentes quando o século precedente.


Fontes de pesquisa

BENTO XVI. Audiência Geral do dia 27 de Fevereiro de 2008. Disponível em: http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2008/documents/hf_ben-xvi_aud_20080227.html.
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Verbete “Metanoia”. Dicionário Michaelis. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?id=m8EV2 .

Autor

Notas

  1. STEIN, Edith. Vida de uma família judia e outros escritos autobiográficos. São Paulo: Paulus. 2018. P. 543.
  2. Verbete “Metanoia”. Dicionário Michaelis. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?id=m8EV2 . Acesso em 04 de Fev. de 2021.
  3. BRINGEMER, Maria Clara L.; YUNES Eliana (Org.). Profetas e profecias: numa visão interdisciplinar e contemporânea. São Paulo: Loyola, 2002. p. 248- 249. Apud. SILVA, Luis Carlos de carvalho Silva. Edith Stein: João da Cruz Teologia e Sociedade. Belo Horizonte: Artesã. 2019. P. 26.
  4. Brasil Escola. Verão. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/verao.htm . Acesso em 04 de Fev. de 2021.
  5. STEIN, Edith. Vida de uma família judia e outros escritos autobiográficos. São Paulo: Paulus. 2018. P. 21.
  6. LEÃO, João Antônio Johas. “Quem procura a verdade, procura a Deus”. Disponível em: https://www.a12.com/redacaoa12/espiritualidade/quem-procura-a-verdade-consciente-ou-inconscientemente-procura-a-deus-santa-edith. Acesso em: 04 de Fev. de 2021.
  7. STEIN, Edith. Vida de uma família judia e outros escritos autobiográficos. São Paulo: Paulus. 2018. P. 543.
  8. Idem. P. 578-579.
  9. Catecismo da Igreja Católica. Nº 2725. Disponível em: http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p4s1cap3_2697-2758_po.html. Acesso em: 04 de Fev. de 2020.
  10. BENTO XVI. Audiência Geral do dia 27 de Fevereiro de 2008. Disponível em: http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2008/documents/hf_ben-xvi_aud_20080227.html. Acesso em 04 de Fev. de 2021.
  11. BENTO XVI. Audiência Geral do dia 27 de Fevereiro de 2008. Disponível em: http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2008/documents/hf_ben-xvi_aud_20080227.html. Acesso em 04 de Fev. de 2021.
  12. SÃO JOÃO PAULO II. Homilia de Beatificação de Edith Stein. Disponível em: http://www.carmelitas.pt/site/pdf/RE/RE26.pdf . Acesso em: 04 de Fevereiro de 2020.
  13. SCIADINI, Frei Patrício. Dimensões do pensamento e da vida teresiana. Disponível em: https://carmelitas.org.br/index.php/2019/10/15/santa-teresa-de-jesus-so-deus-basta/. Acesso em 22 de Fev. de 2020.
  14. SILVA, Luis Carlos de carvalho Silva. Edith Stein: João da Cruz Teologia e Sociedade. Belo Horizonte: Artesã. 2019. P. 30.
  15. STEIN, Edith. La estrutura de la persona humana. Madrid: Biblioteca de autores cristianos (tradução nossa). 2002. P. 137-138.
  16. SÃO JOÃO PAULO II. Homilia do Papa João Paulo II na cerimônia de canonização de Edith Stein. Disponível em: https://edithstein.com.br/publicacoes/sobre-edith-stein/homilia-do-papa-joao-paulo-ii-na-cerimonia-de-canonizacao-de-edith-stein/. Acesso em: 04 de Fevereiro de 2020.

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