Clio Tricarico 1
Quando comecei a conhecer a fenomenologia de Edith Stein, por volta de 2011, tive imediatamente a percepção de que o percurso que se abria à minha frente exigiria não apenas a imensa dedicação requerida pelo estudo de todo grande pensador, como também um posicionamento particular com relação à pesquisa que permitisse uma abertura contínua direcionada principalmente a duas vertentes: de um lado, à possibilidade de reinterpretação de concepções tradicionais, seja da Filosofia Clássica e da Escolástica, seja da própria fenomenologia husserliana e, de outro, à busca de novos horizontes para o alcance do sentido do ser a partir de uma fenomenologia própria voltada às raízes mais profundas da ontologia.
Por meio do confronto do pensamento de Edith Stein com a filosofia de Hedwig Conrad-Martius, acredito ter evidenciado que a tensão que se estabelece entre a ontologia fenomenológica de Stein e a fenomenologia ontológica de Conrad-Martius pode auxiliar na compreensão de ambas as abordagens que inauguram, cada uma a seu modo, perspectivas originais no âmbito da pesquisa de essência, ampliando o campo da investigação da própria fenomenologia.
O desafio que se impõe, entretanto, para o pesquisador dessas duas filósofas se ramifica em diversos domínios e níveis de dificuldades que vão desde o acesso às fontes e à literatura crítica (principalmente no Brasil) até, naturalmente, a apreensão do conteúdo denso, complexo e fecundo, constituinte de um percurso fenomenológico que se desdobra para uma metafísica não necessariamente teológica. Com relação ao acesso às fontes, é importante lembrar que as Obras de Edith Stein em língua portuguesa que estão sendo publicadas pela Paulus (https://www.paulus.com.br/loja/search.php?q=Edith+Stein) consistem, sem dúvida, em uma contribuição inestimável. Quanto ao percurso fenomenológico, penso que nos encontramos ainda no início da jornada que nos incitará cada vez mais a persistir na busca pelo sentido do ser no vasto campo instaurado pelas duas filósofas. Espero ter dado uma modesta contribuição para essa jornada com a minha tese doutoral intitulada A identidade pessoal sob as perspectivas fenomenológicas de Edith Stein e Hedwig Conrad-Martius: um estudo sobre a essência singular do indivíduo humano, da qual apresento aqui o resumo como um convite.
A identidade pessoal sob as perspectivas fenomenológicas de Edith Stein e Hedwig Conrad-Martius: um estudo sobre a essência singular do indivíduo humano
Na análise da identidade pessoal sob as perspectivas de Edith Stein e Hedwig Conrad-Martius identifica-se a ideia de que à essência singular do ser humano é necessariamente inerente não só um grau de indeterminação, como também a possibilidade de alteração da própria essência, em razão da capacidade de autoformação do indivíduo. Por meio do confronto das investigações realizadas pelas duas fenomenólogas, especialmente as relativas à problemática do ser e à noção de essência, o exame da questão procurará esclarecer se e como aquela ideia se justifica, dado que ela parece introduzir uma contradição na noção mesma de essência, que implicaria um caráter fundamental de imutabilidade. A tese a ser defendida é a de que, no caso do indivíduo humano, graças às suas capacidades espirituais – em particular, a liberdade e a peculiaridade do eu para transcender a si mesmo e alcançar seu sentido –, é possível admitir a mutabilidade da essência singular, sem perda da identidade pessoal, ao considerar que seu ser se estabelece justamente na tensão de duas dimensões relativas ao tempo: a transitória e a eterna.
Notas
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Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo. Mestra em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu (São Paulo). Membro do Grupo de Pesquisa “O pensamento de Edith Stein” (Unifesp), do Grupo de Trabalho “Edith Stein e o Círculo de Gotinga” (ANPOF – Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia) e do Comitê Científico da edição crítica em língua italiana das Obras Completas de Hedwig Conrad-Martius.