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Angela Ales Bello em entrevista a Monica Mondo

No último dia 14 de abril, Mônica Mondo (i) entrevistou a pesquisadora Angela Ales Belo no programa Soul da TV2000 da Itália. O vídeo está em áudio original italiano e logo abaixo disponibilizamos o vídeo transcrito e traduzido em português, bem como um relato da experiência da tradutora com o conteúdo traduzido.

Tradução de: Valquiria Gonçalves de Oliveira
Revisão: Tommy Akira Goto e Maria Cecilia Isatto Parise


O texto apresentado abaixo é uma entrevista da filósofa Profa. Angela Ales Bello (PUL) feita por Mônica Mondo, que foi traduzido e transcrito por mim, a pedido do Prof. Tommy Akira Goto, para os estudantes do grupo de estudo e pesquisa em Psicologia e Fenomenologia. Mas essa tradução acabou indo além, pois agora tem o intuito de divulgar o pensamento da filósofa italiana acerca da Fenomenologia, principalmente àqueles que não compreendem o italiano.

É uma entrevista fascinante de quase meia hora que a Profa. Angela Ales Bello aborda com uma linguagem acessível, mas sem perder a profundidade, um assunto tão complexo como da Fenomenologia.

Fazer esta tradução de forma informal foi um presente especial, porque fui sentindo profunda afinidade quanto ao conteúdo. Além disso, pude encontrar na presença da Profa. Angela A. Bello uma filósofa, uma fenomenóloga, que ao transmitir seus pensamentos, nos possibilita conhecer mais profundamente o significado histórico e o sentido rigoroso da Fenomenologia de Edmund Husserl. Posso dizer também que, com palavras tão decisivas, a entrevista nos convida a uma compreensão do ser humano mais abrangente e mais unitária, abrindo portas para uma reflexão mais profunda da experiência de Edith Stein, discípula e assistente de Husserl. Com Edith Stein, como afirma a Profa. Ales Bello, temos a oportunidade de retomar às perguntas mais íntimas que fazemos: quem somos nós, o que são as coisas do mundo e, afinal quem é Deus. No final da entrevista tive o sentimento que algo em mim se ampliou, convidando-me a ser mais humana e a querer chegar “as coisas mesmas”, principalmente quando a convidada descreveu sua análise sobre a fenomenologia da Ressurreição. Só tenho que agradecer a bela contribuição dessa entrevista à Profa. Ales Bello e a oportunidade de traduzi-la para o português através do convite do Prof. Tommy Akira, fiel discípulo do mestre Edmund Husserl.

Monica Mondo: Angela Ales Bello, professora, filósofa, presidente do Centro italiano de pesquisas fenomenológicas, docente em Fenomenologia na Universidade Lateranense, da qual é decana – a Universidade do Papa, assim se dizia uma vez – estudiosa de Edith Stein. Eu pronunciei uma palavra enorme! … então… O QUE É A FENOMENOLOGIA?

Profa. Angela: É um ramo da Filosofia, logicamente, e diz respeito a, como nós podemos deduzir da etimologia da palavra (fenômeno-logia), uma reflexão sobre tudo aquilo que se apresenta, que se manifesta ao ser humano. Portanto, diz respeito ao fenômeno. Fenômeno significa aquilo que se manifesta. E para nós se manifestam muitas coisas: se manifestam as coisas do mundo físico, mas também nós mesmos; nós mesmos nos mostramos a nós mesmos! Somos uma espécie de paradoxo, porque é possível para nós refletirmos sobre nós mesmos, para compreender o significado, seja das coisas externas que da nossa própria interioridade, da nossa própria estrutura humana. (A Fenomenologia) faz parte da Filosofia porque a Filosofia coloca perguntas fundamentais que nós sabemos que todos os seres humanos se colocam – não é um privilégio de uma disciplina! – estas perguntas são justamente:

  • Quem sou eu?
  • O que são as coisas do mundo que nos circundam e nas quais somos imersos?
  • E quem é Deus!
    Estas são as três grandes perguntas que se encontram, então, em todas as culturas. As respostas geralmente são de caráter religioso. A Filosofia é uma coisa particular.

Monica Mondo: Parece-me que o problema principal de hoje seja a negação, ou pelo menos o “embotamento” (ottudimento) dessas perguntas.

Profa. Angela: Na nossa cultura ocidental eu diria que talvez a pergunta que prevalentemente tende a ser ocultada é a pergunta que se refere a Deus, ao Absoluto, um princípio. O tema da subjetividade sempre está mais ou menos presente. O tema do mundo talvez seja aquele objetivamente mais presente, sobretudo através das Ciências, porque a cultura ocidental elaborou essa interpretação do mundo físico, que nós chamamos: ciência, ciência física, em partículas – depois, com todas as ramificações – porque é muito fascinante, inclusive é interessante compreender o enigma e talvez o mistério da realidade que nos circunda.

Monica Mondo: E o mistério de Deus é aquele que nos inquieta, e não falamos.

Profa. Angela: Exatamente, porém (quanto a) esse mistério não devemos jamais dizer que (em relação) ao Absoluto não são dadas respostas a essas perguntas! Quando dizemos: “não existe mais”, eu acredito que se entende, sobretudo, que não é prevalente, que não é difuso na mentalidade comum

Monica Mondo: Alguém dizia que “nenhuma resposta é tão boba como aquela pergunta que não se faz”. O fato de que essas perguntas sejam feitas faz parte da pesquisa fenomenológica, porque agora entendemos que nos diz respeito. Talvez consigamos entender por que diz respeito a Edith Stein? Porque a Sra. é apaixonada (pelo pensamento) de Edith Stein.

Profa. Angela: Certamente!

Monica Mondo: Monja, filósofa, padroeira da Europa graças a João Paulo II.

Profa. Angela: Certamente! (Edith Stein) é uma figura muito interessante, muito complexa, e naturalmente, fundamentalmente, é uma filósofa, isto é, ela se punha essas questões que estamos justamente investigando. Ela vem de uma Escola de cultura alemã, da Escola Fenomenológica, tendo tido como mestre este grande filósofo Edmund Husserl O seu caso pessoal é interessante, porque ela é de família judia e passa por um momento de agnosticismo – podemos assim dizer, e não é tanto de negação do divino – para uma aceitação do cristianismo católico. Também Husserl, seu mestre, era judeu e se converteu ao luteranismo. Portanto, muitos filósofos de proveniência judaica – digamos, não muitos, alguns – escolheram o cristianismo. E a escolha é interessante, porque a justificação que eles dão, prevalentemente, diz respeito à capacidade do cristianismo de dirigir-se a todos os povos, a todas as culturas, enquanto o judaísmo parecia ligado a um particular, a um povo.

Monica Mondo: Por qual motivo – ao seu ver – João Paulo II a elegeu padroeira da Europa?

Profa. Angela: Porque a visão que tem Stein não é apenas uma visão que diz respeito ao ser humano e à transcendência divina – certamente, tem também este aspecto – mas (ela) está muito interessada no relacionamento entre os seres humanos e, portanto, à temática da Comunidade e do Estado.

Monica Mondo: Por que Filosofia? Ela tinha uma paixão desde pequena? Houve um professor, houve uma situação…?

Profa. Angela: Sem dúvida! Penso que é alguma coisa que se sente dentro! É uma espécie de vocação, porque são interesses que nascem, mas não por uma razão especifica, são perguntas que a interioridade lhe faz. Olhando ao redor, nos perguntamos: mas, por que estamos aqui? Que sentido tem essas coisas que nos circundam? Isto é ir até as questões últimas. Isto é, parece-me que as outras disciplinas – são importantíssimas! – mas colhem aspectos particulares da realidade.

Monica Mondo: É a totalidade que lhe interessa?!

Profa. Angela: É a totalidade que interessa, isto é, a Filosofia. Nós temos sempre um pouco de polêmica com… – digo “nós” no sentido de quem cultiva a Filosofia – …com aqueles que se denominam cientistas. Por quê? Porque nós dizermos: sim, muito bem, vocês examinam aspectos particulares da realidade, mas a realidade em si, o que é? Então, eles dizem: mas nós temos resultados, vocês não têm resultados! É verdade que não temos resultados que sejam certos tal como são entendidos na ciência. Porém, nós temos outros tipos de resultados. Nós percebemos que podemos conhecer verdades! Mas percebemos também a questão da finitude humana, portanto não conseguiremos nunca compreender tudo!

Monica Mondo: Na realidade seria necessário dar as mãos e trabalharmos juntos!

Profa. Angela: Nós o fazemos, sabe!?

Monica Mondo: Para evitar a polêmica!

Profa. Angela: Claro! Porém nós o fazemos.

Monica Mondo: Para aqueles que absolutizam a ciência considerando-a como uma religião.

Profa. Angela: Exato, exatamente! E é interessante porque, no fundo, o ser humano tem sempre necessidade de uma totalidade, tem sempre necessidade de um Absoluto. Se não o encontra no Absoluto, que é verdadeiramente a origem de toda a realidade, ele o cria (no sentido de inventar).

Monica Mondo: Ídolos!

Profa. Angela: Ídolo! O problema é realmente muito interessante. É o problema que nasce com a religião judaica em particular, mas, tudo bem, se encontra também em outras culturas.

Monica Mondo: Como no ateísmo, naturalmente!

Profa. Angela: Sim, o ateísmo é um ídolo.

Monica Mondo: Um mito da revolução, não o chamamos mito, mas no fundo é…

Profa. Angela: Mitos! Mitos são histórias, mas sempre têm valor religioso.

Monica Mondo: Em geral se diz que as mulheres, sendo mais emotivas, são menos propensas à especulação. De fato, existem menos mulheres na Filosofia?

Profa. Angela: Numericamente, não é assim. Nós temos agora, já há alguns anos, uma história da filosofia das mulheres que rastreou, a partir da cultura grega, a presença de muitas mulheres. O problema é que, do ponto de vista social, as mulheres eram marginalizadas. Podiam sobressair somente aquelas que se distinguiam, que pertenciam a classes sociais (mais elevadas).

Monica Mondo: Quais são os nomes de algumas mulheres filósofas que marcaram o pensamento?

Profa. Angela: Na Antiguidade tem uma coisa muito interessante: na Escola Pitagórica, de um modo particular, as mulheres eram admitidas, isso se estuda normalmente. Agora algumas foram rastreadas, e encontradas algumas figuras femininas, em particular duas: (entre as duas temos) Períctone, chamam-na assim, e parece que uma das duas seria a mãe de Platão…

Monica Mondo: É mesmo?

Profa. Angela: Quando, então, Platão fala do Pitagorismo, na realidade fala de uma experiência até mesmo familiar! Essa é uma hipótese que é proposta no primeiro volume da história da mulheres, que foi publicado.

Monica Mondo: E é verdade aquilo que normalmente se escuta dizer que o cristianismo relegou as mulheres à (viverem em) suas casas, impedindo (o acesso à) especulação?

Profa. Angela: Não, não foi assim. Na realidade esse problema da mulher era um problema ligado a todas as culturas e todas as religiões. E isto é ainda presente em muitas partes do mundo. Por quê? A Stein dá uma resposta de caráter teológico que remonta ao pecado original. Esta seria a sua interpretação profunda, a razão da marginalização do feminino. Mas em alguns momentos em que (o acesso à especulação) foi possível, em alguns casos sociais particulares, as mulheres demonstraram possuir capacidades extraordinárias. Estranhamente, no período medieval temos duas figuras muito interessantes: aquela de Rosvita (de Gandersheim) e aquela de Hildegarda de Bingen. Elas vinham de um ambiente… – Rosvita não era uma monja, ela fazia parte de uma comunidade de mulheres que estavam perto da Corte do Imperador – ela escreve textos maravilhosos. E depois, Hildegarda de Bingen. Ela era, porém, uma monja. Porque o ambiente monástico, em geral, este grupo de mulheres separadas, podia tornar possível essa produção?

Monica Mondo: (O ambiente) as protegia e as permitia estudar!!!

Profa. Angela: Exatamente! A família, em geral… depois, sucessivamente… se não se casavam… exatamente! Era, portanto uma situação favorável. A contingência histórica – também para Stein – é muito importante, porque quantas pessoas possuem capacidades, sensibilidades, mas não as podem expressar porque não têm um ambiente favorável!

Monica Mondo: Em geral nós utilizamos o termo “homem”, genericamente…. (Profa. Angela: e isso é errado!) …para exprimir diversas identidades. Seria mais correto usar (o termo) “pessoa”?

Profa. Angela: Ser humano. Nós dizemos o “ser humano”. Na Filosofia entendemos o ser humano, porque “pessoa” já é uma interpretação do ser humano. Existe uma diferença.

Monica Mondo: Esta, porém, nos interessa!

Profa. Angela: Exatamente, claro! Depois, se nós dizemos, examinando o fenômeno “ser humano”, que as características do ser humano são aquelas de: ser corpóreo, psíquico, espiritual, então… (Monica Mondo: Pessoa…!) (temos aí) o termo pessoa.

Monica Mondo: Todavia homens e mulheres são duas identidades obviamente distintas. Isso seria óbvio, mas hoje em dia, ao invés de obvio, tende-se a uniformizar, a homologar, a negar essas diferenças.

Profa. Angela: Sim, isso faz parte da história do feminismo. É uma afiliação do feminismo essa última interpretação que nega as diferenças de gênero, as diferenças sexuais, se queremos ir até a raiz da questão. É também compreensível. Por quê? Porque aquela situação do feminismo que a Sra. coloca em evidência, de marginalização (das mulheres), se rompeu somente a um certo ponto na cultura ocidental cristã. Nas primeiras comunidades, isto é muito interessante, nas primeiras comunidades calvinistas – não católicas – no protestantismo, as mulheres puderam ler diretamente o texto sagrado e puderam ler também aquilo que Jesus tinha feito em relação às mulheres. (Monica Mondo: E como considerou as mulheres!) E como as considerou! Pensemos na Samaritana, na adúltera (Monica Mondo: Na Madalena). Exatamente! Então iniciaram um movimento. Seja na Revolução Inglesa e depois dos Estados Unidos, quando as comunidades calvinistas foram para os Estados Unidos, iniciaram um movimento de integração social, porque até então a elas interessava a integração social. As Igrejas, no plural porque me refiro às igrejas cristãs, as Igrejas não apoiaram as mulheres, então o movimento tornou-se laico. Tornou-se laico e se colocou em oposição à tradição – assim dita – religiosa, patriarcal. Agora entendemos! Esta oposição não foi compartilhada por todas as mulheres, algumas mesmo aceitando as reivindicações – pensemos em Stein – não aceitaram essa rebelião em confronto com (os homens).

Monica Mondo: Sabe por que, porque a rebelião se transforma frequentemente em uma reivindicação de opostos de poderes. (Profa. Angela: Exatamente!) Copiar o pior do masculino!

Profa. Angela: Algumas vezes aconteceu assim. Depois, os últimos movimentos se separaram completamente (de sua origem cristã), mas a separação não é uma coisa totalmente positiva. Portanto o feminino se distingue do feminismo, neste sentido. Se nós, por feminismo entendemos, inicialmente, a reivindicação da dignidade da mulher e, em segundo lugar, a reivindicação do papel social, político, cultural… da mulher, então nós temos as nossas teólogas feministas! (Isso aparece) no livro que foi publicado ultimamente: La Voce delle Donne.

Monica Mondo: Pluralidade e diferença no coração da Igreja! (A voz das mulheres: Pluralidade e diferença no coração da Igreja. Milano: Paoline Ed., 2019).

Profa. Angela: Certo, um grupo de teólogas claramente se definiram agora como feministas. Agora, o termo feminista não tem mais (uma única conotação), tem uma variedade de posições, é como um grande título. (Monica Mondo: variedades colocadas juntas). Exato.

Monica Mondo:  A Sra., como mulher, se sente diminuída, reduzida e negligenciada na Igreja?

Profa. Angela: Não. Nunca! Nunca tive essa impressão. Talvez tenha acontecido uma série de circunstâncias favoráveis: eu encontrei as pessoas apropriadas, porque eu entrei na Universidade Lateranense há quase 40 anos atrás e eu fui sempre acolhida.

Monica Mondo:  Eu tomo por certo, aqui na nossa conversa, que a Sra. seja uma pessoa que crê, que é católica, pela leitura dos seus textos.

Profa. Angela: Certamente.

Monica Mondo: Foi uma escolha, conversão, ou uma educação familiar?

Profa. Angela: Não, não… Eu fui educada assim e me parecia muito válida essa educação que recebi.

Monica Mondo: Voltando às mulheres na Igreja, qual é o tema: a ocupação de posições, como alguns ainda dizem, as mulheres-cardeais, ou então…?

Profa. Angela: Não sei… os seres humanos são sempre diferentes, isto é, é difícil reduzi-los a categorias. É claro que alguém pode ter uma ambição, aliás, o ser humano tem frequentemente ambições de poder, mas nem todas as mulheres feministas possuem esta reivindicação de chegar ao poder. Talvez a coisa que mais as interessava, sobretudo no início, era o problema da igualdade no sentido político-social. E Stein diz muito bem, porque esse é um ponto de chegada. Todavia, é preciso trabalhar sobre a diferença entre masculino e feminino. Portanto, admitindo que existe uma inserção a nível social e político, as características do feminino e do masculino devem permanecer.

Monica Mondo: Essa diferença é uma riqueza?

Profa. Angela: Essa diferença é uma riqueza, não um problema, porque nasce do fato de que os seres humanos que nós encontramos são sempre caracterizados como masculino e feminino.

Monica Mondo: E isso é colocado hoje em discussão.

Profa. Angela: É colocado hoje em discussão porque, efetivamente… E aqui tem uma chave da Stein que eu utilizo e me parece ser muito interessante. Ela diz: é claro que o feminino e o masculino são polos importantíssimos, que servem, por exemplo, para a procriação. Esse é um elemento que não podemos desconsiderar. Porque a procriação requer sempre um elemento masculino e um elemento feminino. Todavia, se essa é a estrutura fundamental do ser humano, na concretização, ela diz, da natureza humana, pode haver também… – (ela) não chega a falar, naturalmente, das variedades sexuais que falamos agora, porém dá uma indicação que para mim é muito útil. Ela diz: a natureza, no fundo pode se concretizar de maneira particular. Portanto, nós podemos também entender que possa existir uma variedade de concretizações. (Monica Mondo: Certo!) E este me parece ser um ponto muito interessante.

Monica Mondo:  Que permite a inclusão em relação.

Profa. Angela: Que permite a inclusão… exatamente! É aquilo que, no fundo, se subentende do que o nosso Papa – digo eu – em Amoris laetitia. Nós não podemos excluir.

Monica Mondo: É verdade que com Papa João Paulo II nasceram as mulheres teólogas?

Profa. Angela: Sim, foi ele quem disse que as mulheres podiam ensinar teologia, podiam pertencer a Tribunais Eclesiásticos. Eu tive o Decanato sob a gestão de João Paulo II. Não sei qual foi a sua intervenção!

Monica Mondo:  Por que Filosofia e Teologia, que estiveram separadas do séc. 600 em diante, vão naturalmente juntas? Não no sentido que uma é serva da outra, e nem mesmo que a outra negue a primeira. Hoje geralmente se pensa assim. Por muitos séculos a filosofia foi serva da teologia e depois pensamos que a teologia tomasse uma outra estrada que não permitia o uso da razão.

Profa. Angela: Claro! Então, falemos da cultura ocidental, porque trata-se do relacionamento teologia-filosofia, assim como nós o vemos em relação àquilo que diz respeito à nossa cultura. Direi, até mesmo, ocidental-europeia, no sentido que (identifica) os três problemas fundamentais: o problema do ser humano, o problema do mundo e o problema de Deus. É claro que quando enfrentamos o problema de Deus podemos fazê-lo do ponto de vista de uma pesquisa até mesmo (da razão) natural, porque o ser humano tende a perguntar-se: qual é a fonte, o princípio de toda a realidade? Esta é uma pergunta perfeitamente racional que se encontra, por exemplo em todas as filosofias, também naquelas precedentes ao cristianismo. Quando se difundiu, em particular o cristianismo, é claro que se perguntou: mas este Deus, disse-me algo a mais? Veio e me contou como (ele) é feito. O contar é a Revelação. A Revelação é o relato de Deus – tem também claramente no judaísmo – que diz ao ser humano: tu pensas, tu sentes que eu existo e eu te digo como sou feito.

Monica Mondo:  Pela primeira vez na história da cultura Deus vem ao encontro do homem e não é o homem que vai até Deus.

Profa. Angela: Sim, mas saiba que também as outras religiões sempre tiveram uma “saudade da Revelação”. Isso é muito interessante. Se se faz um estudo comparado das religiões, existe sempre um pedido da parte do ser humano pela presença de Deus, da sua Palavra. O judaísmo e o cristianismo, ao meu ver, levam à realização essa exigência. Então, se nós queremos que Deus fale, podemos também examinar as suas palavras; examiná-las, com quais instrumentos? Com instrumentos racionais, racionalizamos. Quando São Tomás com a sua Suma (Teológica) diz: o que é, no fundo, a Teologia? É uma reflexão teórica – esta era a sua interpretação – sobre os princípios da Revelação. Mas, teórica, o que quer dizer? Que eu sempre preciso também perguntar-me: chego (a essas respostas) sozinho? Poderei chegar sozinho? Então vejo até que ponto chego apenas por mim mesmo: são as famosas provas sobre a existência de Deus. Eu entendo que, quando não consigo chegar mais (perto)…

Monica Mondo: Quando não consigo chegar mais… jogo fora a minha razão?

Profa. Angela: Quando não consigo chegar mais (perto), não jogo fora a razão, eu a abro! (Monica Mondo: Alargar a razão, se diz). Exatamente, alargar os confins da razão! É exatamente isso! Eu a abro, mas a abro porque a palavra da Revelação – penso na tradição judaica e na tradição cristã, na palavra de Jesus, portanto, em particular – não é irrazoável! Mostremos algum aspecto irrazoável, não existe! É uma valorização do humano.

Monica Mondo: Pensando no razoável (da Revelação), começamos hoje a Semana Santa. Não é irrazoável acreditar na ressurreição de um Deus que se encarnou?

Profa. Angela: Não é, não é irrazoável! Então, eu lhe darei a interpretação de uma fenomenóloga – que é uma coisa interessantíssima – que era amiga de Edith Stein: Hedwig Conrad-Martius. Era uma bióloga, uma pessoa extraordinária que ensinou na Universidade de Munique a partir dos anos 60. Ela faz uma reflexão interessantíssima (sobre esse assunto), propriamente conhecendo a física e a biologia. Ela diz: no fundo, nós conhecemos somente um nível de matéria, que é aquele que nos é dado. Mas, podem existir muitos níveis de matéria. Isto é uma possibilidade que a mente pode aceitar. Não é dito que a matéria seja somente esta que nós experimentamos. Esse outro nível de matéria que nós não conhecemos e poderia ser exatamente o estado realizado no momento da ressurreição, mostrado por Jesus no momento da ressurreição. Por que, no fundo, como aparece Jesus?

Monica Mondo: Transfigurado!

Profa. Angela: Transfigurado! Nós dizemos transfigurado porque era uma experiência chocante! Era uma experiência extraordinária! Não podemos contar fábulas, porque era uma experiência realmente extraordinária. Muitos dizem: sim, é uma história que eles inventam. Mas é uma experiência extraordinária, porque ele entrava com as portas fechadas, porém comia. Aparecia e desaparecia – pensemos nos discípulos de Emaús. Por quê, diz a Conrad-Martius, não poderemos pensar em uma outra qualidade de matéria? Talvez aquela que nós teremos em uma vida futura.

Monica Mondo:  Isso explica também aquela “grande irracionalidade” da fé católica: a Eucaristia. Como é escandaloso quando nós pensamos em comer o corpo de Deus!

Profa. Angela: Não é escandaloso! Quando uma mãe diz: te comerei de beijos! Não é escandaloso… é a assimilação! É uma participação profunda, juntamente com a matéria! Não é escandaloso! É escandaloso uma mentalidade dualista que diz: vamos separar! Mas não é escandaloso!

Monica Mondo:  A Sra. está dizendo que não somente em certas correntes do cristianismo, mas também no laicismo anticristão foram separadas a matéria do espírito?

Profa. Angela: Sim. Ora, existe uma dualidade. Não nego a dualidade, porque não tem uma só coisa, tem uma dualidade. Mas existe um “viver junto” desses dois elementos, não é? Também é necessário ver isso. E depois, em todas as religiões, se quer ver Deus! Se quer tocar Deus! Se sabe que existe, porque está presente no humano profundo, de modo profundo. Se fala geralmente na história das religiões, sobretudo na Fenomenologia das Religiões: se fala de uma potência. Todos os seres humanos se voltam para essa potência, mas a querem ver, tocar, sentir, não pode ser distante. Ela está perto, porque é presente, mas como somos seres corpóreos, queremos também tocá-la. E ao meu ver a Eucaristia é a resposta a isso. Uma resposta interessantíssima. Jesus diz: é verdade que – pensemos na conversa com a Samaritana – é verdade que nós devemos adorar a Deus em espírito e verdade. Ele não se encontra, nem no templo de Jerusalém, nem sobre o monte de Samaria, mas… Ele entende o que o ser humano necessita. De fato, o que diz à Samaritana? Essa água é a água de Vida, mas a água da Vida é aquela do batismo, isto é, é a água transfigurada: é sempre água, mas é também alguma coisa a mais! É necessária uma mentalidade que coloca junto e não que separa, para compreender esses fenômenos. É uma lógica, um modo de proceder intelectual – se chama lógica modal – que é uma lógica participativa, não é de exclusão, mas é de participação.

Monica Mondo:  Obrigada, pois é um modo de escutar – diverso – o Evangelho da Paixão dessa semana, ao qual muitos de nós não somos habituados a pensar. Uma música que gosta, para concluir e como saudação final?!

Profa. Angela: A Ave-Maria de Schubert.

Monica Mondo: Porque foi graças a uma mulher que a potência se revelou e se colocou perto, presente aos homens, não é verdade? Obrigada!


(i) Jornalista e escritora, Mônica Mondo já publicou diversas noticias sobre cultura e politica, é autora de alguns livros dentre eles dois romances “Sarà bella la vita” e “Il mio nome è Khalid” pela Editora Marietti.

Valquiria Gonçalves de Oliveira, psicóloga clinica e psicoterapeuta, especializada em Psicodiagnóstico, em Logoterapia e Analise Existencial (vinculada ao Instituto Viktor Frankl, de Viena), em EMDR (Francine Shapiro) e no Método ADI-TIP (R.Jost de Moraes). Estudo Fenomenologia através das aulas do Prof. Tommy Akiro e no Instituto Universitário Sophia em Florença. Moro em Viena há quase 16 anos.

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