O tema da alma e da vida interior sempre atraiu Edith Stein. O interesse pelo estudo da natureza humana a faz optar pelos estudos superiores de germanística, história, propedêutica filosófica e psicologia na universidade de sua cidade natal, Breslávia (Breslau), mas ela muda de rumo quando conhece a fenomenologia de Edmund Husserl. Lá, é convidada a seguir seus seminários na universidade de Gotinga e participar do Círculo Fenomenológico. Ela defende sua tese doutoral Sobre o problema da empatia sob a orientação de Husserl em 1916 e segue como sua assistente até 1918. Nesse mesmo ano a sua busca pela verdade consolida-se como experiência do encontro com Deus, mas esse fato só é tornado público quando ela conhece Teresa de Jesus. Edith Stein lê a autobiografia de Santa Teresa e decide dar o passo ao catolicismo, recebendo o batismo em 1º de janeiro de 1922. Em 1º de abril de 1933 Edith Stein se vê obrigada a abandonar sua atividade docente por causa da perseguição nazista e discerne que já era hora de realizar o seu grande desejo de entrar no Carmelo. Ao receber o hábito, Edith Stein passa a chamar-se Teresa Benedita da Cruz, pelo seu amor à Santa Teresa de Jesus.
Teresa Benedita da Cruz estava convencida de que o conhecimento da natureza humana pode ser aprofundado com o testemunho dos místicos que experimentaram uma relação de intimidade com Deus e habitaram de modo privilegiado no mais íntimo de suas almas. Assim testemunhou Santa Teresa de Jesus na sua obra O castelo interior, analisada por Edith Stein e publicada como um dos dois apêndices à sua obra Ser finito e ser eterno. No final, pode-se encontrar uma pequena biografia de Edith Stein, inclusive com dados novos de sua vida, retirados de sua Positio, formulada para a sua beatificação e santificação, compilados por Didier-Marie Golay, O.C.D..
Texto publicado originalmente como capítulo de um livro do Instituto Santa Teresa/Faculdades Integradas Santa Teresa D’Ávila, pelo centro Cultural Teresa D’Ávila (CCTA). Parise, Maria Cecilia I. O conceito de alma em Teresa de Jesus segundo Edith Stein.
Sá, Olga de. Nas Trilhas de Teresa/ Olga de Sá; Sônia Siqueira (org.). Lorena, CCTA, 2015. 256 p. – (Ensaios, n.6). P. 13 – 64. ISBN: 978-85-99189-41-2. Em novembro de 2024, passou por uma revisão e atualização da própria autora para ser colocado no site: Edith Stein – Estudos Integradores da Natureza Humana.
Edith Stein nasce em 1891, no seio de uma família hebreia, na Breslávia – hoje Polônia, na época Alemanha1. Filha caçula de uma família numerosa, Edith Stein era uma criança extremamente inteligente. Desde cedo vive em uma incansável busca pela verdade e pela liberdade, procurando-as em primeira pessoa e em sua vida interior. Aos quatorze anos de idade opta por desacreditar de tudo o que não lhe parece seguro e verdadeiro, inclusive Deus. Esta opção consciente, tal como ela relata em seus escritos autobiográficos2, vai lentamente sendo transformada quando Edith Stein entra em contato com a fenomenologia de Edmund Husserl e com os filósofos convertidos do Círculo Fenomenológico de Gotinga. Mas é quando lê o livro da vida de Teresa D’Ávila que Edith Stein decide pedir o seu batismo na Igreja católica. Alguns anos mais tarde, em 1933, com quarenta e dois anos de idade, ela realiza o sonho de ingressar na ordem das Carmelitas Descalças e em 1934 recebe o hábito de carmelita como Teresa Benedita da Cruz. Em nove de agosto de 1942 morre em Auschwitz-Birkenau, vítima da perseguição nazista.
O tema da alma e da vida interior sempre atraiu Edith Stein. O interesse pelo estudo da natureza humana a faz optar pelos estudos superiores de germanística, história, propedêutica filosófica e psicologia na universidade de sua cidade natal, Breslávia (Breslau), mas ela muda de rumo quando conhece a fenomenologia de Edmund Husserl. Em 1913 apresenta-se a Husserl após ter lido as suas Investigações Lógicas e é prontamente convidada a seguir seus seminários na universidade de Gotinga e participar do Círculo Fenomenológico3. Sempre buscando conhecer a essência do ser humano, Edith Stein decide estudar o fenômeno da empatia para compreender o que capacita o ser humano a intuir o que o outro está experimentando, comunicar-se com ele, reconhecendo-o como semelhante. Ela defende sua tese doutoral Sobre o problema da empatia sob a orientação de Husserl em 1916 e segue como sua assistente até 1918.
Nesse mesmo ano a sua busca pela verdade consolida-se como experiência do encontro com Deus, mas Edith Stein tem uma personalidade muito reservada e esse fato só é tornado público quando ela conhece Teresa de Jesus4. Estando de férias em Bergzabern, na casa de sua amiga a fenomenóloga protestante Hedwig Conrad-Martius, Edith Stein lê a autobiografia de Santa Teresa. Enche-se de coragem e decide dar o passo ao catolicismo. Ela mesma nos relata como isso aconteceu em seu texto autobiográfico de 1938, Como cheguei ao Carmelo de Colônia5:
Afinal, não estaria na hora de entrar no Carmelo? O Carmelo era a minha meta já havia doze anos, desde o verão de 1921, quando caiu em minhas mãos o livro da Vida de nossa Santa Teresa e minha longa procura da verdadeira fé chegou ao fim. Quando fui batizada no Ano Novo de 1922, já pensei que era apenas a preparação para entrar na ordem carmelita. Alguns meses depois, no entanto, encontrei-me diante de minha querida mãe, depois de meu batismo, e ficou claro para mim que ela não aguentaria esse novo golpe6.
Logo após a leitura do livro da vida de Teresa de Jesus Edith Stein decide tornar-se católica e é batizada em 1º de janeiro de 1922. Pelo amor a sua mãe, uma viúva judia muito religiosa que não entende por que a e sua filha caçula tão estimada havia se tornado cristã, Edith Stein posterga a sua decisão de entrar no Carmelo enquanto segue aprofundando a sua busca da verdade e o seu amor a Deus. De 1922 a 1933 ela é reconhecida como fenomenóloga e intelectual católica e é convidada a dar palestras em vários países, inclusive a participar em 1932 do I Congresso Internacional Tomista de Juvisy, na França. Lá ela apresenta como entende uma possível relação entre a fenomenologia de Husserl e a filosofia de Tomás de Aquino7.
Durante esses 12 anos Edith Stein fora aconselhada por seus diretores espirituais a esperar com paciência a realização de seu desejo de entrar para o Carmelo e em 1932 consegue um cargo de professora no instituto alemão de pedagogia científica em Münster, na Westfália. De 1932 a 1933 leciona antropologia e pedagogia nesse instituto de ensino superior, apresentando a estrutura da natureza humana. Ela utiliza para sua análise o método fenomenológico de Husserl e vários conceitos da metafísica cristã, atualizados à luz da filosofia moderna. Desse modo Edith Stein amplia e aprofunda o seu estudo sobre a alma8.
Em 1º de abril de 1933 Edith Stein se vê obrigada a abandonar sua atividade docente por causa da perseguição nazista e sua família lhe pede para imigrar para a América do Sul, acatando um convite que lhe tinha sido feito. Edith Stein recusa e em 30 de abril de 1933, domingo do Bom Pastor, discerne que já era hora de realizar o seu grande desejo, pois, segundo ela: “há quase doze anos o Carmelo era a minha meta”9. Ela escreve para o Carmelo de Colônia, é aceita e ingressa no dia 14 de outubro, vésperas de Santa Teresa. Ao receber o hábito Edith Stein passa a chamar-se Teresa Benedita da Cruz. A escolha do nome de Teresa foi feita pelo seu amor à Santa Teresa de Jesus, com quem havia se identificado.
Tão logo os seus superiores souberam quem era aquela noviça de quarenta e dois anos que ingressara na Ordem, Teresa Benedita da Cruz é aconselhada a continuar a sua atividade intelectual. Ela aceita, mas sob a condição de não prejudicar suas atividades como religiosa. De 1935 a 1936, ela redige a sua grande obra filosófica: Ser finito e ser eterno, onde apresenta a sua concepção acabada do ser humano como um ser dependente de Deus e que precisa ser entendido a partir do mistério da Trindade.
Mas a sua primeira obra no Carmelo, de janeiro de 1934, será sobre a vida da Madre Teresa: Amor com amor – Vida e obra de Santa Teresa de Jesus10. No final desse mesmo ano escreverá: Uma mestra na educação e na formação, apresentando Santa Teresa como modelo na arte de educação:
A Reformadora da Ordem da Bem-aventurada Virgem do Monte Carmelo era uma mestra das artes plásticas: das mais elevadas, cujo material não é madeira nem pedra, mas são as almas vivas dos seres humanos11.
Teresa Benedita da Cruz não restringe seus escritos apenas à filosofia, ela discorre sobre a vida de vários santos, além de escrever inúmeras meditações, peças teatrais e poesias. A vida de clausura a instiga a tratar de temas místicos e espirituais, e quando o faz frequentemente se remete a Teresa de Jesus.
Ela escreverá outros dois importantes textos em que trata da mística e espiritualidade de Santa Teresa. O primeiro é O castelo interior12, que será analisado neste trabalho. Um segundo texto em que aparecem várias referências à Teresa de Jesus é A ciência da Cruz13. Esta foi a última obra de Teresa Benedita da Cruz, escrita no Carmelo de Echt a pedido de seus superiores para homenagear o quarto centenário de nascimento de São João da Cruz. Ela o faz entre novembro de 1941 e abril de 1942, ano de sua morte. Nesse texto a filósofa religiosa purifica e aprofunda ainda mais a sua compreensão do interior da alma e fala de uma plena realização da liberdade por parte do ser humano que vivencia, por meio da graça, uma experiência de união íntima com Deus. Lança mão da linguagem mística, especialmente a de São João da Cruz e a de Santa Teresa de Jesus, para analisar mais profundamente a essência do núcleo da alma. O íntimo da alma se revela como o “lugar” onde a pessoa pode encontrar a verdade, encontrar-se com Deus e ser capaz de viver a experiência radical da liberdade: “o ponto mais profundo da alma é, ao mesmo tempo, a morada da sua liberdade, o lugar onde ela pode conectar todo o seu ser e se decidir sobre si”14.
Teresa Benedita da Cruz estava convencida de que o conhecimento da natureza humana pode ser aprofundado com o testemunho dos místicos que experimentaram uma relação de intimidade com Deus e habitaram de modo privilegiado no mais íntimo de suas almas. Assim testemunhou Santa Teresa de Jesus na sua obra O castelo interior, que ela considera a sua principal obra mística, onde Santa Teresa procura descrever em detalhes a alma como “o centro de todo esse edifício físico-anímico-espiritual que chamamos de ser humano”15.
Quem era Teresa de Jesus para Edith Stein
Edith Stein identifica-se com Teresa desde que teve contato com os seus relatos autobiográficos publicados sob o título “Livro da Vida”16. Ela, assim como Teresa, buscava a liberdade. Ambas tinham consciência da força da alma feminina e a utilizavam de modo admirável. Eram mulheres que estavam além do próprio tempo. Tiveram uma profunda experiência do amor gratuito de Deus e procuraram de diversas maneiras transmitir o que vivenciaram para as outras pessoas. Sempre se preocuparam com o outro, próximo ou distante, e quiseram deixar um legado na forma de pensamentos e escritos. Eram professoras natas, e não mediam esforços para ensinar o que aprendiam do convívio com os seres humanos e, principalmente, com Deus.
Quando Teresa Benedita da Cruz apresenta Teresa de Jesus como a Reformadora da Ordem da Bem-aventurada Virgem do Monte Carmelo, fala dela quase que em primeira pessoa, pois os trechos que recolhemos aqui poderiam ter sido escritos com relação à própria religiosa filósofa. No final desse ensaio deixaremos algumas indicações bibliográficas que enriquecem a nossa compreensão do percurso de vida de Edith, da sua busca da verdade e do seu encontro com Deus.
Assim como Edith, Teresa de Jesus exerceu uma “liderança natural” que foi “elevada mediante a graça”:
Ainda que o motivo fundamental de sua entrada para o convento tenha sido o medo, este foi prontamente sendo transformado em ardente amor a Deus com a experiência de uma alegria interior que o Senhor a presenteava pelo seu sacrifício. A jovem religiosa será levada pelo caminho da oração interior. Descobre no interior de sua alma um mundo de cuja riqueza até então não havia nem suspeitado. Aprende a descobrir Deus no mais íntimo de sua alma e a estabelecer com ele uma relação de confiança. Pela própria experiência descobre as palavras de Santo Agostinho: “Noli fora ire, intra in te ipsum; in interiore hominis habitat Veritas” (Não vás para fora; entra em ti mesmo; no interior do ser humano habita a Verdade) 17.
Nas lições sobre a estrutura da pessoa humana que ministrou no instituto de Pedagogia Científica em 1932, Edith Stein cita essa mesma expressão de Santo Agostinho que aqui ela aproxima da experiência mística de Teresa, relatando a sua própria busca pela verdade. Assim como Teresa de Jesus, Agostinho identifica o interior da alma humana como o lugar onde o ser humano se encontra com a “Verdade”: “a alma, ao se conhecer, reconhece a presença de Deus em si”18. Edith Stein havia feito essa mesma experiência e é por isso que ao ler o Livro da Vida ela afirma ter chegado ao fim a sua busca pela verdadeira fé. Ela logo percebeu uma grande semelhança entre o caminho percorrido pela Santa e o caminho que havia empreendido e queria aprofundar, mas em situações, contextos e com objetivos diversos.
Edith Stein utilizará a análise do castelo interior feita por Santa Teresa para apresentar como as suas próprias explicações fenomenológicas sobre a estrutura da alma humana se conectam com essa obra. Teresa Benedita da Cruz, assim como Teresa de Jesus, acredita que para se oferecer uma imagem da alma tão precisa quanto possível é preciso falar “do que compõe a sua vida íntima” 19, e só quem teve uma experiência interior profunda de encontro consigo mesmo e com Deus poderá explicar com sucesso “em que consiste exatamente esse mundo interior”20, o que Teresa fez utilizando a feliz imagem do castelo.
Antes de iniciar a análise da obra de Teresa de Jesus, Edith Stein chama a atenção para um ponto importante: sabe que ela e a Santa estão motivadas por interesses diversos. Apesar de já estar no Carmelo como religiosa, Edith Stein está motivada nessa obra pelo interesse teórico de indagar as características específicas do ser humano com relação aos outros seres criados por meio da compreensão da vida íntima de sua alma. Santa Teresa de Jesus tem um objetivo teórico-prático: relatar as suas próprias experiências místicas, a pedido de seu confessor, para ajudar as suas monjas no exercício da oração e no caminho da perfeição. Contudo, essa diferença de motivação não impede Edith Stein de ver o quanto as instruções religiosas e práticas da Santa Madre para suas monjas podem enriquecer o seu trabalho puramente teórico.
Além disso, existe uma diferença na forma como elas apresentam a alma: Santa Teresa procura descrever a vida de intimidade com Deus do modo mais claro e acessível possível, utilizando-se de imagens e “floreios”21. Segundo Edith, tais floreios podem até parecer supérfluos, mas eles também apresentam pontos importantes e por isso podem ser aproveitado numa análise mais teórica da alma, tal como ela procura fazer.
Análise de O castelo interior
Na imagem do castelo, o corpo é visto como o muro que cerca o castelo. Os sentidos e potências espirituais (memória, entendimento e vontade) são os criados, as sentinelas ou os simples moradores do castelo. A alma é representada pelos numerosos aposentos do castelo que, semelhante ao céu, “possui muitas moradas”22. As moradas não devem ser imaginadas dispostas uma após a outra, como em fila, mas deve-se olhar para o centro, “que é o aposento ou o palácio onde está o rei, e considerá-lo como um palmito, que tem muitas camadas que envolvem o que é mais saboroso, que pode ser comido”23. Sendo assim, a alma do justo pode ser comparada ao paraíso onde Deus se deleita.
O mundo exterior se encontra fora das muralhas do castelo. Existem sete moradas nesse castelo, e na sétima, a do aposento mais interior, habita o rei do castelo, Deus. Entre o aposento mais interior e o mundo exterior se encontram seis moradas. Apesar de se tratar de uma metáfora espacial, segundo Edith Stein esses aposentos da alma não devem ser entendidos espacialmente. Trata-se de uma imagem que busca relatar o que acontece na alma de modo essencial e abstrato.
Apesar de esse castelo ser a alma de cada ser humano, Teresa constata que existem moradores do castelo que permanecem apenas fora dele, no exterior do muro, e não sabem nada do seu interior. Isso pode parecer uma “situação estranha e patológica, (…), mas existem muitas almas assim”24. O diagnóstico dado por Teresa é que essas almas desaprenderam a rezar e não conseguem mais entrar no seu próprio interior.
Para se entrar no castelo deve-se passar pela porta, que é a oração e a reflexão. Chega-se, assim, às primeiras moradas, onde se se adquire o conhecimento de si mesmo, o de sua própria baixeza que conduz ao conhecimento da grandeza de Deus. Conhecimento de si e conhecimento de Deus se sustentam mutuamente e nunca são alcançados plenamente, e esse conhecimento nunca é supérfluo, mesmo que se chegue às últimas moradas. Ou seja, a oração e a reflexão sempre devem ser utilizadas para se passar pela porta e entrar no próprio interior, independentemente da morada em que se consegue penetrar.
Nessa primeira morada a alma ainda está envolvida com as coisas do mundo, que são comparadas com as trevas, e por isso não consegue refletir claramente sobre si mesma. Mas se perseverar na oração e reflexão poderá atingir as segundas moradas. Aqui a alma continua presa ao mundo exterior, mas já escuta alguns “chamados de Deus”25. Ela é capaz de percebê-los como mensagens, não sob a forma de vozes interiores, mas como apelos que vem do exterior: “palavras de um sermão ou passagens de um livro que parecem ditas ou escritos precisamente para ela, doenças e outros eventos providenciais”26.
Edith Stein observa que tal ser humano cuja alma está habituada a viver no mundo exterior só é capaz de escutar esses apelos de Deus se está habituado a ter momentos de oração e é “suficientemente instruído nas verdades da fé para pensar em Deus enquanto reza”27. Edith Stein chamará atenção para esse ponto: o relato de Teresa de Jesus se aplica apenas para aquelas pessoas que já possuem um conhecimento das verdades da fé, o que é coerente, visto que ela o escreve para as suas monjas28. Depois da apresentação do texto das moradas de Teresa, Edith Stein tentará ampliá-lo, utilizando seus conhecimentos fenomenológicos da essência do ser humano para analisar se existem outras maneiras pelas quais a alma pode entrar no seu interior sem ser pelo caminho da oração.
Nas terceiras moradas as almas acolhem de coração os chamados de Deus e “se esforçam constantemente, para ordenar sua vida conforme a vontade divina”29. Elas já se preservam com cuidado dos pecados veniais, se dedicam com regularidade à vida de oração, às práticas de penitências e às boas obras. Quando são provadas, ao invés de caírem, agradecem a Deus tais provações, pois percebem o próprio apego aos bens da terra. Também são agraciadas com consolações, por sua boa vontade, com sentimentos totalmente naturais: “lágrimas de arrependimento, devoções sensíveis na oração, satisfação pelas boas obras realizadas”30.
Até as terceiras moradas Teresa indica o caminho natural e normal da alma em direção a si mesma e a Deus, mas o caminho sobrenatural já se encontra implícito: “qualquer impulso que mova o ser humano a entrar em si mesmo e o encaminha para Deus deve ser visto como efeito da graça, ainda que proceda de fatos e motivos naturais”31. Até aqui a alma experimenta e conhece Deus apenas por uma fé que lhe chega de modo aparentemente natural, do que ela ouve dizer e não de seu interior32.
Nas quartas moradas começam as graças extraordinárias ou místicas. A alma não se sacia mais com os contentamentos obtidos com o esforço do entendimento, tal como ocorre na oração de meditação, mas começam a aparecer os gostos. Esses partem de Deus e chegam até a alma sem esforço próprio e sem a intervenção do entendimento e da imaginação, caracterizando-se, assim, a “oração de quietude”33.
Teresa de Jesus usa aqui a imagem da água, que é passada através de tubos sob muito ruído num recipiente – esforço semelhante se faz na meditação, usando o intelecto e a vontade – ou podem ser enchidos por uma fonte que brota naturalmente da profundidade da alma, por graça divina, tal como ocorre na oração de quietude. O gosto dispensado por Deus à alma dilata o coração e essa água vai sendo espalhada por todas as moradas e potências até chegar ao corpo: não apenas o interior da alma, mas “todo o ser humano exterior goza deste gosto e suavidade”34. A alma experimenta como uma sensação de calor ou perfume, mas não sabe de onde vêm, pois nessa morada as potências da alma ainda não estão unidas a Deus, apenas “embebidas (Nele) e olhando com espanto para o que seria aquilo”35.
Constata-se assim que o próprio recolhimento para a preparação da oração de quietude, apesar do esforço das potências naturais da alma, já é sobrenatural: o grande rei – o Bom Pastor – por sua boa vontade e misericórdia atrai a alma que se perde no exterior do castelo. Cita Edith: “Quando quer que o intelecto se detenha, Sua Majestade ocupa-o de outra maneira e dá ao conhecimento uma luz tão superior à que podemos alcançar que o faz ficar absorto. E, então, ela aprende muito mais do que o faria com todos os esforços, que poriam tudo a perder36”. O efeito dessa oração de recolhimento é uma “dilatação ou alargamento da alma”37, mas esta sente-se como que em sonhos, sem saber bem o que experimentou.
Nas quintas moradas a alma entra na oração de união. O corpo fica como que sem vida e as potências da alma estão em repouso: “nem imaginação, nem memória e entendimento podem impedir este bem”38. Teresa de Jesus afirma, por experiência própria, que tampouco o demônio pode aí entrar e causar dano “porque Sua Majestade está tão junto e unida com a essência da alma que não ele ousará aproximar-se, nem mesmo deve entender esses segredos”39.
Nesse estado de união Deus trabalha na alma sem que ninguém o atrapalhe, nem ela própria. Essa união com Deus ainda é breve e a alma não compreende o que ocorre, mas quando ela volta a si “Deus se fixa a si mesmo no seu interior de tal modo que de nenhuma maneira ela pode duvidar que esteve em Deus e Deus nela”40. Isso ocorre porque tal verdade se fixa na alma com tanta firmeza que ela não é capaz de esquecer nem de duvidar do que lhe aconteceu, ainda que passem anos sem que esteja de novo em união com Deus. Desse modo a alma adquire uma certeza que permanece e que só Deus pode colocar. Porém, apesar dessas graças sobrenaturais começarem a se tornar visíveis para a alma, ela não pode esquecer que deve realizar com suas próprias forças um trabalho de preparação para tal união. Se Deus a beneficiará com esse estado de quietude, isso só cabe a Ele decidir, sempre buscando o que é melhor para aquela alma ficar cada vez mais próxima a Ele.
Segundo Edith Stein “a Santa chegou assim, pelo caminho da própria experiência, a descobrir uma verdade de fé que ignorava até aquele momento: ‘Que Deus está em todas as coisas por presença e potência e essência’, e que isso é algo bem diverso da inhabitação divina por meio da graça”41. Teresa exemplifica esse estado com a “graciosa imagem do bicho-da-seda”42, cujo ovo, ao receber o calor do sol, começa a viver e se alimenta das flores das amoreiras, tornando-se uma lagarta, cada vez maior e forte. Esta vai fiando a seda que tira de si mesmo e tece uma casa onde morre para transformar-se numa linda borboleta.
Assim realiza a vida da alma “quando, com o calor do Espírito Santo, começa a beneficiar-se do auxílio geral que Deus dá a todos”43. Mas tal auxílio é mais efetivo para aqueles que usufruem dos remédios que deixou em sua Igreja: confissões, boas leituras e sermões. Com eles a alma é ajudada para sair da vida de pecado e fortalecer-se até estar crescida. Em seguida, ela deve “construir a casa em que deve morrer”44, casa esta que é o próprio Cristo, pois como diz o Apóstolo Paulo: “vós estais mortos e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, vossa vida, aparecer, também vós aparecereis com ele em plena glória”45.
Teresa observa que parece estranho que Deus seja a nossa morada e que, ao mesmo tempo, sejamos capazes de edificá-la. Isso não significa que podemos “tirar ou pôr alguma coisa em Deus, [mas] apenas fazê-lo em nós mesmos, como fazem as lagartinhas”46 do bicho-da-seda. Fazendo-o em nós, receberemos o auxílio divino, pois Deus se serve de nossos “trabalhinhos”47, tais como deixar de lado o amor-próprio e a vontade, fazer obras de penitência, oração, mortificação, obediência etc.
Deus une a Sua grandeza aos nossos “trabalhinhos” e lhes dá tão grande valor que Ele próprio se torna o prêmio dessa obra, a nossa recompensa. A alma sai desse casulo como mariposa e chega a não se reconhecer mais, despertando nela um desejo irresistível de louvar a Deus e de sofrer por Ele.
Depois de ter experimentado esta união e gozado de sua paz, tudo o que encontra na terra a descontenta e vive agora um estranho desassossego, pois “provou que o verdadeiro descanso não pode lhe ser dado pelas criaturas”48. A alma só deseja e procura, com todo esforço, manter a sua vida atada apenas ao que for a vontade de Deus, utilizando-se das próprias potências, mas matando a vida antiga. Como isso ocorre?
A oração de união preparará a alma para as sextas e sétimas moradas, onde ocorrerá o matrimônio espiritual. Pode-se dizer que nessas moradas se inicia o noivado de Deus com a alma. Mas, apesar de muito próxima de Deus, a alma não encontra aqui repouso, pois a união estável e duradoura só acontece nas sétimas moradas. Aqui ela é provada com os mais intensos sofrimentos, externos e internos, que são ilustrados com a necessária morte da lagarta para que nasça a borboleta. Ela se sente incapaz de rezar, pois não encontra consolo, nem em Deus, nem nas criaturas. Por outro lado, a alma percebe que Deus está próximo e que foi chamada por Ele para o matrimônio, o que lhe causa grande prazer. É como se fosse “constantemente ferida, sem desejar curar-se”49, sentindo-se como que transpassada por uma seta de fogo no mais íntimo de sua alma.
Nessas moradas “todos os sentidos e potências estão sem nenhum embevecimento– livres – olhando o que poderia ser aquilo, sem estorvar em nada, não podendo tirar ou acrescentar algo àquela pena deleitosa”50. Se o Senhor desejar e permitir, é possível a experiência do êxtase, quando as potências ficam adormecidas, como se estivessem mortas, assim como os sentidos. Tudo o que é experimentado pela alma nesse estado não é passível de ser relatado por ela com palavras adequadas, contudo “permanece de tal modo impresso no mais íntimo da alma que jamais poderá ser esquecido”51.
A alma atinge assim as sextas moradas. Santa Teresa observa que não existe uma separação nítida entre as sextas e as sétimas moradas: Deus, do núcleo da alma onde habita, manda fechar as portas, inclusive do Castelo, para que a alma permaneça arrebatada, em êxtase. Passada a suspensão do êxtase “a vontade fica tão absorvida e o entendimento tão fora de si (…) que parece não ser capaz de entender qualquer coisa que não seja para despertar a sua vontade para amar, estando ela [a alma] muito desperta, embora adormecida para lançar-se ao apego a alguma criatura”52.
Para ilustrar essas moradas Teresa fala de um tipo de arroubo ou êxtase que ela chama de “voo do espírito”: a alma movimenta-se de modo tão acelerado a ponto de parecer sair do próprio corpo, sendo conduzida para uma região muito diferente da que habitualmente se vive. Nesse estado de contemplação “ocorre que, num instante, lhe ensinam tantas coisas juntas que, ainda que trabalhasse muitos anos de sua vida para ordená-las com sua imaginação e pensamento, jamais conseguiria”53.
Nesse momento do texto Santa Teresa procura explicar a distinção entre a alma e o espírito de modo que sejam compreendidos como coisas distintas, embora estejam essencialmente unidos. Edith Stein coloca em relevo essa imagem, pois no estudo fenomenológico da natureza humana tinha chegado a essa mesma distinção em união. Santa Teresa usa a imagem do sol e de seus raios para explicar a relação entre o que ocorre na alma e no espírito: “muitas vezes tenho pensado, não se parecerá isso com o sol, que, estando no céu, desfere raios tão fortes que, não mudando ele de posição, de imediato chegam a nós? A alma e o espírito são uma mesma coisa, tal como o sol e seus raios. Assim, não seria possível, pela força do calor que vem do verdadeiro Sol de Justiça, elevar-se a alma acima de si mesma, permanecendo, contudo, em seu posto? Não poderia ela elevar-se por meio de alguma parte superior do espírito, saindo de si mesma?”54.
Analisando a distinção entre corpo, alma e espírito, Edith Stein já havia constatado em sua tese sobre a empatia a possibilidade, encontrada apenas na alma humana, de ser elevar acima do próprio corpo, pela fantasia, contemplando-o como se estivesse fora dele55. Analisando tal fenômeno em sua forma pura ela poderá falar de uma certa autonomia da alma com relação ao próprio corpo, assim como de um interior e um exterior da alma. Esse fato será de grande importância quando ela analisará em suas obras posteriores o núcleo ou centro ou mais íntimo da alma, de onde ela pode sair de si, ir ao mundo exterior sem perder-se e retornar a si. Tal movimento demonstra que todo ser humano é um “si”, um indivíduo com suas peculiaridades, ou ainda, uma pessoa56.
Embora o “voo do espírito” passe rapidamente, permanece na alma o “conhecimento da grandeza de Deus (…), o conhecimento próprio e a humildade de ver que é coisa tão baixa em comparação com o criador de tantas grandezas (…) e a alma passa a tomar por pouco todas as coisas da terra caso não possam ser aplicadas ao serviço de tão grande Deus”57.
Nasce na alma que se encontra nas sextas moradas um vivo desejo de morrer e de guardar-se de toda e qualquer imperfeição, por menor que seja. Desejaria evitar todo o contato com outros seres humanos, mas, por outro lado, “sente muita vontade de colocar-se no meio do mundo a fim de contribuir para que ao menos uma alma louve mais a Deus”58.
Apesar de ter sido elevada a tão alto grau de contemplação, a Santa aconselha: a alma deve continuar a meditar a vida e paixão de Cristo a fim de “incendiar a vontade com a ajuda do entendimento”59. Ela deve saber que ainda não chegou ao fim de seu percurso até o próprio interior rumo ao encontro com Deus, visto que Ele permite que a alma sinta tudo isso para prepará-la para a sétima morada.
Nas sétimas moradas ocorre efetivamente o matrimônio místico, que foi experimentado por Santa Teresa por ocasião de uma visão intelectual das três pessoas da Santíssima Trindade. Nessa visão ela compreende “com grandíssima verdade ser todas as três Pessoas uma substância, um poder, um saber, um só Deus; de maneira que o que acreditamos por fé é entendido ali pela alma, se assim podemos dizer, pela vista, ainda que não seja vista dos olhos do corpo nem da alma, porque não se trata de uma visão imaginária”60.
Deus se torna uma companhia permanente na alma, mas essa não o vê, necessariamente, sempre com a mesma clareza do que na primeira vez, a não ser que Ele o queira. Além disso, a alma não pode ficar todo tempo imersa nessa contemplação, pois precisa cumprir com as suas obrigações. Ela cumpre agora de modo mais perfeito tudo o que faz a serviço de Deus, mas também aproveita cada momento em que está desocupada para ficar em tão agradável companhia. “É como se o essencial da alma ‘por mais trabalhos e necessidades que tivesse jamais se movera de tal aposento’, como se a alma mesma estivesse dividida em dois, como em Marta e Maria, mas em pé de igualdade”61.
Santa Teresa retoma aqui a distinção e união entre alma e espírito, assim como a da alma com suas potências, dizendo que lhe parece uma “divisão tão delicada” 62, que só pode ser obra de Deus. Com o auxílio dessa distinção, ela vê claramente que o matrimônio místico se dá no centro mais íntimo da alma, que deve ser onde habita o próprio Deus. Como saber que se alcançou o centro mais íntimo da alma? A Santa diferencia a visão que precedeu o matrimônio místico da que teve durante o matrimônio: aquela foi uma visão imaginária, que lhe chegou por meio dos sentidos e potências da alma, onde Jesus se lhe apresentava em sua formosura e majestade, já ressuscitado; nesta o Senhor aparece no centro da alma em uma “uma visão intelectual, ainda que mais sutil do que as mencionadas, tal como surgiu aos Apóstolos sem entrar pela porta, dizendo, Pax vobis”63.
No matrimônio o espírito dessa alma se torna uma só coisa com Deus que, sendo também Espírito, quer mostrar a algumas pessoas o amor que tem por todos nós e dar a entender até onde ele chega, a fim de que louvemos a sua grandeza64. É sempre o amor de Deus que toma a iniciativa de aproximar-se dos seres humanos, e aqueles cujas almas O acolhem, permanecem com Ele para sempre no seu interior: “de tal modo quis Ele unir-se à criatura que, tal como os que [se unindo a Ele] já não podem Dele se afastar, [Deus] não deseja apartar-se dela”65.
Como a alma pode saber se está realmente próxima de Deus em seu íntimo? Para Santa Teresa, a corrente que se comunica à alma transborda as potências de modo inequívoco, desde o mais íntimo de si: “se entende com clareza que há no interior [da alma] (…) um sol de onde provém uma grande luz, enviada do interior da alma às suas faculdades. Ela (…) não sai desse centro, nem perde a paz”66. Ou seja, a presença sobrenatural de Deus no íntimo da alma é sentida também pelas suas faculdades ou potências naturais. Não ocorre uma separação entre o que a alma é de modo sobrenatural e o que ela o é naturalmente, e sim um aprofundamento do âmbito natural ao sobrenatural, sempre contando com a graça de Deus e a resposta livre da alma ao aceitar tal matrimônio.
Santa Teresa não deixa de acentuar a participação consciente e voluntária da alma em total liberdade, mesmo no matrimônio místico. Prova disso é que, apesar da paz, que nunca lhe é tirada, a alma não está segura de sua salvação, pois sabe que pode tornar a cair, e toma ainda mais cuidado para “não ofender a Deus, nem nas pequenas coisas”67. Como efeito do matrimônio, a alma esquece-se de si, mas sem esquecer-se, empenhando-se em procurar agradar a Deus em todas as obras. Essa consciência é atingida por Santa Teresa em sua própria experiência com Deus. Ela depois a universaliza, dizendo que tal consciência surge em toda a alma que chega a viver no seu íntimo, com Deus, como consequência do que lhe diz o Senhor: que “zele pelas coisas Dele, pois Ele zela pelas dela”68.
Outro efeito do matrimônio é o desejo de sofrer, mas sem se inquietar como antes, pois entende que tudo o que Deus quer para ela é bom. Se antes desejava a morte, “agora é grande a vontade que tem de servi-Lo, louvá-Lo e beneficiar alguma alma (…) para que o Senhor seja louvado por elas”69.
Paradoxalmente, a alma que chega a esse estado já não tem mais desejo de presentes e gostos espirituais, pois ela vive um desapego de si e de tudo, junto com o desejo de estar sempre a sós ou ocupada coisas proveitosas para alguma alma. Não padece mais de aridez, nem sofrimentos interiores, pois vive com muita ternura a lembrança do Senhor. Quando se descuida, o próprio Senhor a desperta, de modo que “pode-se ver claramente que aquele impulso procede do interior da alma (…) e não do pensamento, da memória, nem de nada que se possa entender que a alma tenha feito de sua parte”70. A alma permanece em silêncio e quietude, não busca mais nada no entendimento, pois o Senhor tudo lhe ensina.
Edith Stein finaliza a sua análise do Castelo interior constatando: Santa Teresa deixa entender que nesse ponto do matrimônio místico cessa quase todo deleito do êxtase, pois a finalidade de todo esse caminho de graça não é apenas a divinização das almas, mas também “para fortalecer a nossa fraqueza (…) para poder imitar a Cristo nos grandes sofrimentos”71 e trabalhar sem descanso pelo Reino de Deus. O êxtase e tudo o que decorre dele é um meio e não o fim, pois para Santa Teresa a finalidade da oração e de todo o caminho percorrido até o matrimônio espiritual é de “fazer nascer obras, sempre obras!”72.
As Moradas à luz da filosofia moderna
Edith Stein procura mostrar as afinidades entre a imagem da alma de Teresa de Jesus com a que ela descreveu, com critérios filosóficos, especialmente em Ser finito e ser eterno. Ela acredita que essas duas visões da alma são complementares, mas existe uma diferença fundamental entre elas, que reside na diversidade dos pontos de vista, tal como já foi mencionado no início desse trabalho: Santa Teresa descreve a alma como um castelo interior para tornar compreensível às outras pessoas o que ela própria tinha experimentado e motivá-las a desejar ter essa experiência. Edith Stein apresenta a estrutura da alma que se encontra em todo ser humano como aquilo que o possibilita alcançar um progressivo conhecimento de si e atuar de modo adequado frente ao mundo.
Para comprovar a universalidade de sua teoria, Edith Stein perscruta se existem outras portas de entrada, outros modos para que uma alma penetre no seu interior que não seja a oração. Ela concorda com Santa Teresa que “entrar em si mesmo significa aproximar-se gradualmente de Deus”73, pois compreende que “enquanto espírito e imagem do Espírito de Deus a alma humana tem a missão de apreender todas as coisas criadas conhecendo-as e amando-as e assim compreender a própria vocação e trabalhar como consequência disso”74.
Para Edith Stein a alma, por ser ao mesmo tempo espírito e imagem do Espírito divino, não só tem conhecimento do mundo exterior, mas também de si mesma: é consciente de toda a sua vida espiritual e é capaz de refletir sobre si mesma, inclusive sem entrar pela porta da oração. Quais seriam, então, essas outras “portas” pelas quais a alma pode chegar ao mais íntimo de si mesma?
A relação com os outros poderia ser uma dessas “portas”, tal como Edith Stein mostrou na sua tese doutoral sobre a Empatia: a experiência natural do trato com os outros seres humanos “nos dá uma imagem deles e nos diz que também eles têm uma imagem de nós”75. Desse modo conseguimos ter uma imagem de nós mesmos a partir do outro, a nos ver de fora. Mas dificilmente essa imagem nos permitirá penetrar em nosso interior mais profundo, além de também podermos nos enganar. Mesmo nesse caso é preciso que Deus tome a iniciativa e, com “uma clara sacudida interior – uma chamada interior –, nos tire dos olhos a venda que esconde a todo ser humano, em grande parte, o seu próprio mundo interior”76.
Outro impulso para entrar em si mesmo é aquele que sentimos durante a experiência de nosso crescimento e maturidade, da infância à juventude. As transformações sensíveis exteriores do nosso corpo nos impulsionam à auto-observação. Conhece-se assim um mundo interior, não percebido até então77. Mas junto com isso ocorre um grande movimento de autoafirmação que pode se tornar uma nova fonte de ilusão e gerar uma falsa imagem do Eu. Nessa idade o Eu também começa a levar muito em conta e avaliar-se com as imagens que os outros possuem dele, que podem levar ao encobrimento do seu próprio ser. Logo, essa possível “porta” de acesso ao mundo interior dificilmente será utilizada pelo Eu.
Finalmente a investigação científica do mundo interior poderia ser um modo de descobrir o que ocorre no interior da alma, e essa “porta” deve ser investigada mais de perto. Constata que infelizmente esse interior não foi descoberto pela psicologia naturalista do séc. XIX, que começou a estudar o ser humano independentemente de toda consideração religiosa e teológica e acabou propondo uma “psicologia sem alma”: “tanto a ‘essência’ da alma quanto suas ‘potências’ foram descartadas como sendo apenas ‘conceitos mitológicos”78. Edith Stein cita a corrente que se originou do empirismo inglês e se configurou como ciência natural: ela apreende os sentimentos da alma como produto de simples sensações, como uma coisa espacial e material, constituída por átomos. Consequentemente, aos olhos de Santa Teresa sobrariam aqui apenas restos da muralha do Castelo interior, pois “um corpo sem alma deixa de ser um corpo”79.
A busca por uma nova e autêntica ciência do espírito e da alma, tal como encontramos em Dilthey, Brentano e Husserl, alcança outra concepção de ser humano: “não apenas recuperaram os direitos da espiritualidade e do sentido pleno da vida anímica, como também descobriram o seu fundamento real”80. Segundo Edith, as pesquisas desses três pensadores caminharam no sentido contrário de tantos psicólogos, inclusive “psicólogos católicos”, que “sustentavam não ser possível falar da alma em termos científicos”81.
Além desses três pensadores, Edith Stein cita e analisa mais profundamente o fenomenólogo de Munique, Alexander Pfänder (1870 – 1941). Em sua obra: A alma do ser humano. Ensaio de uma psicologia inteligente, Pfänder busca compreender a vida da alma, descobrindo junto aos impulsos fundamentais um impulso originário: a tendência a autodesenvolver-se. Tal tendência está baseada na própria essência da alma, visto que nela existe “um núcleo de vida que, partindo desse germe, deve desenvolver-se até chegar a sua forma plena”82. Logo, “pertence à própria essência da alma humana que, para seu próprio desenvolvimento, seja necessária a atividade livre da pessoa”83.
Edith Stein encontra aqui a demonstração que precisava para fundamentar a possibilidade de uma “porta” diferente da oração para se chegar ao íntimo da própria alma. Essa porta é a constatação da liberdade que se encontra na essência da alma humana, juntamente com a capacidade do ser humano de voltar-se para si, para o seu interior, desenvolvendo-se como pessoa. No entanto, Edith Stein cita Pfänder, para quem isso não significa que a alma seja criadora de si mesma, mas é criatura: “ela não é capaz de gera-se a si mesma, mas apenas de desenvolver-se. Nesse ponto mais profundo de si mesma, olhando para trás, está ligada ao seu princípio criativo perene”84.
Como explicar essa “porta” sem cair na concepção narcisista que está presente em tantas filosofias modernas, inclusive algumas na própria linha fenomenológica?85 É preciso buscar a origem e a essência desse movimento inerente ao ser humano, procurando ver de que modo o ponto mais profundo de si mesmo está ligado ao seu perene princípio criativo. Edith Stein conclui da análise de Pfänder que “a essência da alma se apresenta a si mesma como chave para entender sua própria vida”86.
O estudo da essência da alma foi desenvolvido por Edith Stein em suas obras sobre a natureza humana, compiladas inicialmente nas lições de 1932, elevadas à sua forma acabada no sua obra Ser finito e ser eterno (1936). Mas Edith, tão humilde quanto Teresa de Jesus, não quis recorrer às suas próprias investigações antes de esgotar toda a virtualidade que encontra na obra de Pfänder, não deixando de ver também as suas limitações. Segundo ela não é tratada por Pfänder a relação entre a alma e o corpo, assim como deixa de lado o conceito de espírito por achar muito obscuro. Não trata tampouco das relações entre alma e espírito. Mas essas limitações apontam para o que Edith Stein chama de um “fato estranho”, que parece corroborar com a sua própria compreensão da alma humana, assim como a de Teresa de Jesus: apesar de tantas limitações, Pfänder consegue chegar muito perto de uma “compreensão da alma, da sua essência e sua vida, da alma humana enquanto tal”87. Isso, só corrobora com a ideia de que faz parte da essência da alma tender, naturalmente, a procurar desenvolver-se por meio de uma compreensão cada vez maior de si mesma.
Edith Stein considera que as teorias sobre a alma não chegam mais próximo da sua compreensão por causa dos “resíduos do velho racionalismo, que não admite nenhum mistério, nem quer levar em conta a fragmentação do ser humano e, por sua vez, acredita que consegue desvelar por completo o mistério das relações da alma com Deus” 88. Tal filosofia ignora que deve o seu conhecimento sobre o ser humano, sua alma, sua estrutura, tanto da doutrina e da vida da fé quanto do que acredita ser resultado de seu conhecimento natural. Deste modo torna-se cego e incapaz de chegar ao mais profundo da alma. E para Edith Stein a causa da cegueira sobre a realidade da alma que encontramos especialmente na psicologia naturalista do século XIX “não reside simplesmente em uma obsessão com relação a alguns preconceitos metafísicos, mas em um inconsciente medo de encontrar-se com Deus”89.
Por outro lado, vemos que autores cristãos tais como Teresa de Jesus e Santo Agostinho não descartam a explicação natural da alma humana por terem conhecimento do que está contido na Revelação. Ao contrário, eles são considerados, inclusive por muitos pensadores que não compartilham da mesma fé, como “mestres do próprio conhecimento e da descrição de si mesmos”90. Para eles “as misteriosas profundidades da alma resultam claras: não apenas os fenômenos, a superfície movediça da vida da alma, são para eles inegáveis fatos da experiência, mas também as potências que atuam sem mediações na vida consciente da alma, incluindo a própria essência da alma”91.
Nesse ponto Edith Stein conclui dizendo que, apesar de distintos objetivos e forma de exposição, existe uma concordância entre o seu estudo científico e fenomenológico da estrutura da alma e a exposição de Santa Teresa: “precisamente porque a alma é uma realidade espiritual-pessoal, seu ser mais íntimo e específico, sua essência de onde brotam as potências e o desenvolvimento de sua vida não são apenas um desconhecido X que nós admitimos para esclarecer os fatos espirituais que experimentamos, mas algo que pode nos iluminar e deixar-se sentir, ainda que permaneça sempre misterioso”92.
Cabe agora à Edith Stein explicitar a sua posição, e ela o faz articulando e distinguindo dois conceitos: o conceito de alma e o conceito de Eu. O eu aparece como um “ponto” móvel dentro do “espaço” da alma que se movimenta tanto no mundo exterior quanto no interior da alma, tomando posições sob a luz da consciência. Apesar de sua mobilidade, “o Eu está sempre ligado àquele ponto central imóvel da alma no qual se sente em sua própria casa”93. Teresa de Jesus e Edith Stein concordam com esse ponto, mas para Edith, além do Eu ser chamado a habitar o seu centro por meio das graças místicas do matrimônio espiritual com Deus, ele também habita o seu centro quando “toma decisões derradeiras a que é chamado todo ser humano como pessoa livre”94. Para ela o exercício da liberdade, em decisões importantes e derradeiras, conduz o ser humano ao centro de sua alma.
Edith Stein fez essa experiência em sua própria vida, e pôde falar, em primeira pessoa, o que acontece quando o Eu busca, com a liberdade de seu intelecto e toda a sua vontade, agir de modo consciente e livre. No fim ela dirá que o ato livre, embora não tenha sido tratado por Santa Teresa de modo tão direto quanto ela o fez, está implícito em sua análise. É por isso que Santa Teresa, assim como outros mestres espirituais, vê a entrega da vontade a Deus como o que é mais essencial na união, pois nos torna realmente livres. Por isso “a entrega de nossa vontade é o que Deus nos pede a todos, e todos podemos realizar”95. Essa afirmação paradoxal se torna um pouco mais compreensível quando se consegue identificar o centro da alma como: tanto o lugar das livres decisões, quanto o lugar da livre união com Deus.
No entanto, ao enfatizar a liberdade da entrega da vontade a Deus como condição para a união mística, Edith Stein relembra o que a própria Santa Teresa já havia dito: tal união “não depende exclusivamente do que está em nosso poder, mas é um livre presente de Deus”96. Pressupondo a liberalidade e o amor infinito de Deus por suas criaturas, Edith Stein poderá dizer que “existe a possibilidade de viver a partir desse centro da alma e realizar-se a si mesmo e a própria vida sem ser agraciado com graças místicas”97. A liberdade, tanto a do ser humano, dada por Deus, quanto a do próprio Deus, tornam tal possibilidade real.
Com esse argumento é possível compreender o que Edith Stein quer dizer na sua célebre frase: “Quem procura aqui e agora o que é certo e toma decisões de acordo com o seu entendimento, encontra-se a caminho de Deus e de si próprio, ainda que não o saiba, ou seja, já decidiu sobre si mesmo e entregou a sua vontade à vontade de Deus, mesmo que não veja com clareza que a prática do que é reto coincide com a vontade divina”98.
Pequena biografia de Edith Stein,
Santa Teresa Benedita da Cruz
Os dados biográficos que selecionamos servem para ilustrar a vida de Edith Stein como busca da verdade sobre si e sobre a natureza humana. Também explicitam de que modo o encontro com Deus no interior de sua alma lhe revelou aspectos ainda mais profundos da natureza humana e da sua própria pessoa, levando-a ao caminho do Carmelo, numa vida de intimidade com Deus, e por fim culminando com sua livre entrega por amor a Ele e ao seu povo – o povo judeu.
A vida de Edith Stein é por si só um exemplo, não apenas da possibilidade da filosofia cristã, mas de sua realidade. O fato de Edith Stein ter sido canonizada não invalida nem enfraquece a força e a originalidade de sua filosofia, pelo contrário, a torna ainda mais interessante e desafiadora. É o que aparece nessas reflexões feitas por João Paulo II, por ocasião da canonização de Edith Stein em 11 de outubro de 1998: Santa Teresa Benedita da Cruz, “o exemplo do ideal de liberdade em um século atormentado”.
O amor de Cristo foi o fogo que ardeu a vida de Teresa Benedita da Cruz. Antes ainda de se dar conta, ela foi completamente arrebatada por ele. No início, o seu ideal foi a liberdade. Durante muito tempo, Edith Stein viveu a experiência da busca. A sua mente não se cansou de investigar e o seu coração de esperar. Percorreu o árduo caminho da filosofia com ardor apaixonado e no fim foi premiada: conquistou a verdade; antes, foi por ela conquistada. De fato, descobriu que a verdade tinha um nome: Jesus Cristo, e a partir daquele momento o Verbo encarnado foi tudo para ela. Olhando como Carmelita para este período da sua vida, escreveu a uma Beneditina: “Quem procura a verdade, consciente ou inconscientemente, procura a Deus”. […] No fim do longo caminho, foi-lhe dado chegar a uma surpreendente conclusão: só quem se une ao amor de Cristo se torna verdadeiramente livre99.
Infância e juventude
(1891-1912)
1891: Edith Stein nasce a12 de outubro na cidade prussiana de Breslávia (atualmente Polônia), no seio de uma família hebreia, no Dia do grande perdão – festa da Expiação, o Yom Kippur.
É a menor dos onze filhos que teve o casal Siegfried Stein e Auguste Courant.
Quatro dos seus irmãos morrem muito cedo. Ficaram: Paul, Else, Arno, Frieda, Rosa, Erna e Edith.
1893: a 10 de julho morre o pai de uma insolação e sua mãe se assume o comércio de madeira que levava seu esposo.
A capacidade da mãe de levar adiante o negócio e a família será um pressuposto importante na formação do caráter feminista de Edith.
1898: Inicia os estudos primários no Liceu Vitória, em sua cidade natal.
1903: Aos quatorze anos opta por desacreditar de tudo o que não lhe parece seguro e verdadeiro, inclusive de Deus. Ao mesmo tempo vive em uma incansável busca pela verdade e pela liberdade, procurando-as em primeira pessoa, principalmente em sua vida interior.
1906: Edith Stein atravessa uma crise pessoal em plena adolescência. Decide deixar a escola e conscientemente abandona a religião por não encontrar sentido nesta. Vai a Hamburgo, onde passa quase um ano na casa de sua irmã, Else, cuidando dos sobrinhos.
1908: Decide voltar a estudar e se prepara devidamente para iniciar o bacharelado, o que naquela época poucas mulheres o faziam.
1911: Recebe o título do bacharelado no Liceu. Faz o exame extraordinário de seleção. Em abril inicia os estudos universitários de germanística, história, propedêutica filosófica e psicologia na universidade da Breslávia, com o desejo de buscar respostas à sua crise existencial.
Faz parte de diversos grupos de caráter reformista: grupo pedagógico e Associação Universitária Feminina.
Edith Stein interessa-se desde jovem pelo estudo da natureza humana. Procura na psicologia de seu tempo, que estuda na universidade de sua cidade natal, uma resposta a seus profundos questionamentos. Logo percebe que esta não lhe fornece os elementos necessários para a análise que desejava desenvolver.
1912: Crise intelectual com relação à psicologia, que havia pretendido seguir e escrever sua tese.
Lê as Investigações Lógicas de Edmund Husserl e intui que ali poderia encontrar os fundamentos que buscava. Decide estudar com ele na universidade de Gotinga. Sua mãe aprova e se dispõe a sustentá-la.
No caminho da verdade
(1913-1921)
1913: A partir do mês de abril continua seus estudos universitários em Gotinga, seguindo os seminários de Husserl.
Edith Stein demonstra tanta rapidez e clareza na compreensão do método fenomenológico que impressiona o próprio Husserl. Ela é convidada a participar do Círculo de fenomenólogos de Gotinga.
É publicado o primeiro volume, Ideias para uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomenológica de Husserl. Edith Stein teve a oportunidade de ouvir, em primeira mão, explicações e comentários feitos pelo próprio Husserl, assim como observar a recepção da obra por parte de seus alunos e colegas mais próximos.
Ela também pôde acompanhar de perto as investigações que Husserl vinha desenvolvendo sobre a constituição do ser humano, que seriam publicadas no segundo volume de Ideias para uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomenológica.
Encontro com Max Scheler, um judeu convertido ao catolicismo: o mundo da fé se apresenta diante dela; a religião é uma realidade. Rompimento de seu ateísmo e queda de pré-conceitos.
1914: Prepara seu exame de licença e inicia a redação de sua tese doutoral: Sobre o problema da empatia.
Explode a 1ª Guerra Mundial, a Alemanha declara guerra à Rússia e à França.
1915: Em janeiro faz o seu exame de Estado “pro facultate docendi” em história, filosofia e germanística.
Com um alistamento voluntário na Cruz Vermelha, de abril a setembro torna-se assistente de enfermeira no hospital austríaco de doenças contagiosas de Mährisch-Weisskirchen. Com a guerra Edith Stein experimenta uma nova realidade, a morte.
1916: No seu regresso é convidada a dar aulas de latim em sua antiga escola, na Breslávia. Defende sua tese, O problema da Empatia, e obtém o título de doutora em filosofia pela Universidade de Friburgo, para onde tinha ido Husserl. Obtém a nota máxima: suma cum laude. A tese é publicada em 1917.
Edith Stein permanece em Friburgo, para onde Husserl tinha se transferido, e é convidada por ele a ser sua assistente particular. Ela não consegue desenvolver suas próprias pesquisas, tendo de dedicar muito tempo para a compilação dos textos de Husserl que seriam publicados como o segundo volumar das Ideias. Edith Stein o considera um “gênio desorganizado”.
1917: Morre Adolf Reinach e Edith Stein é encarregada pela viúva de preparar a publicação de seus escritos. Edith Stein tem seu primeiro encontro com a cruz e com a força divina daqueles que a carregam.
1918: Em fevereiro deixa de ser assistente de Husserl. Volta à sua cidade natal e vive interiormente a experiência do encontro com Cristo. Lê Santo Agostinho, Ignácio de Loyola e outros grandes teólogos alemães.
Retoma e aprofunda a análise fenomenológica do interior da pessoa humana em um longo ensaio: Causalidade psíquica. Nele já aparece um aprofundamento da compreensão steiniana de realidade psíquica e espiritual do ser humano. Edith Stein passa a analisar a especificidade da causalidade dos atos livres, tanto do indivíduo enquanto tal como em suas relações intersubjetivas, redigindo: Indivíduo e comunidade. Os dois textos Causalidade psíquica e Indivíduo e comunidade, foram escritos entre 1918-1920 como tese de livre-docência. Não foram aceitos, infelizmente, por terem sido escritos por uma mulher, pois naquele período elas eram impedidas, por lei, de ocupar cargos universitários. No entanto, foram publicados conjuntamente em 1922 no Jahrbuch für Philosophie und phänomenologische Forschung, sob o título Contribuições à fundamentação filosófica da psicologia e das ciências do espírito.
1919: Em fevereiro se abre a Assembleia de Weimar. Em 28 de junho a Alemanha assina o tratado de paz em Versailles.
Edith Stein se dedica à atividade política em vista a instauração da República de Weimar. Se torna membro e participa ativamente das reuniões de fundação do Partido Democrático Alemão em Berlim, entre dezembro de 1918 e janeiro de 1919. Segue atuando como sufragista, buscando conscientizar as mulheres sobre a importância do uso do direito de votar, que tinha sido reconhecido em novembro de 1918. Mas Edith Stein se desilude com a política e retoma seu projeto de tentar se tornar professora universitária de filosofia. Tenta ascender a uma cátedra universitária em Gotinga, Friburgo e Kiel, mas não consegue, pois a mentalidade reinante nas universidades ainda não aceita a presença de mulheres em uma cátedra, ainda que as novas leis da República já o permitam. Elabora uma série de trabalhos científicos que mostram sua reflexão sobre a política e o Estado, que serão retrabalhados e publicados em 1925 sob o título: Uma investigação sobre o Estado.
1920 – 1921: Edith Stein passa por uma profunda crise e busca interior da verdade.
Dá aulas práticas de introdução à filosofia sobre base fenomenológica a mais de trinta pessoas em sua casa e inicia um curso sobre questões fundamentais de ética na escola de adultos na Breslávia
1921: No mês de junho, decide passar as férias na casa de sua amiga Hedwig Conrad-Martius em Bergzabern. Mas antes de deixar Gotinga, Edith Stein visita a viúva de Reinach, Anna, e sua cunhada, Pauline. Na Positio escrita para a beatificação e santificação e Edith Stein encontra-se essa afirmação de Pauline, de que ela e sua cunhada ofereceram à Edith escolher um livro na biblioteca delas para ler durante as férias, e ela escolhe a autobiografia de Santa Teresa de Jesus escrita por ela mesma (Positio, p.437. Apud: Edith Stein, Devant Dieu pour tous, 2009, p. 101). No escrito complementar de sua autobiografia, Como cheguei ao Carmelo de Colônia (1938), Edith Stein descreve a sua impressão e o impacto que lhe causou a leitura desse livro: “(…)quando caiu em minhas mãos o livro da ‘Vida’ de nossa Santa Teresa (…) a minha longa procura pela verdadeira fé chegou ao fim” (Vida de uma família judia e outros escritos autobiográficos, 2018, p. 543).
Naquele momento Edith Stein decide tornar-se cristã e batizar-se na Igreja católica. Comunica sua decisão à sua família, que não a compreende e nem aceita.
Mulher intelectual católica
(1922-1933)
1922: Em 1º de janeiro Edith é batizada na Igreja de São Martinho em Bergzabern com o nome Edith Teresa Hedwig Stein. Sua madrinha foi sua amiga protestante, a filósofa Hedwig Conrad-Martius. Em 2 de fevereiro é crismada na capela do bispado de Espira.
1923: A partir de abril começa a sua atividade como professora de literatura e alemão nas dominicanas de Santa Madalena, em Espira.
Conhece o padre jesuíta Erich Przywara que a exorta a não abandonar os estudos de filosofia e a ocupar-se de um estudo sistemático da obra de São Tomás de Aquino.
1925: Traduz para o alemão o diário e as cartas do Cardeal Newman.
1926: Em 11 de setembro, faz uma conferência em Espira e no dia 12 conferência em Kaiserslautern.
1928: Na Semana Santa vai para a Abadia beneditina de Beuron, onde trabalha na tradução das Questiones Disputatae de Veritate de Santo Tomás de Aquino, do latim para o alemão. A partir dessa data até 1933 tentará passar os feriados de Natal e de Páscoa em retiro de silêncio nessa Abadia. O Arquiabade Raphael Walzer se tornará o seu diretor espiritual.
1930: Conferências em Nuremberg, Salzburg, Espira, Bendorf e Heidelberg, sobre a mulher.
1931: Conferência em Ludwigshafen. Em 23 de março deixa de lecionar em Espira, mas continua a fazer diversas conferências, entre elas a “Alocução sobre Santa Isabel” em Heidelberg, em 22 de novembro.
1932: Conferências em Zurique, Suíça. Participa em Augsburg de um congresso de jovens.
No verão inicia sua atividade como professora de antropologia e pedagogia no Instituto Alemão de Pedagogia Científica em Münster.
Edith Stein, já conhecida internacionalmente, é convidada para o I Congresso Internacional Tomista de Juvisy, perto de Paris, sobre “A possibilidade de uma filosofia cristã”. Sua participação espontânea causa muita admiração entre os participantes. Estavam presente nesse congresso Etienne Gilson, Maurice Blondel, Jacques e Raïssa Maritain, entre outros intelectuais da época.
Durante o semestre de inverno de 1933, apresenta sua concepção da natureza humana.
Tais lições, redigidas para a preparação das aulas, foram publicadas postumamente sob o título de A estrutura da pessoa humana.
1933: Em 1º de abril ela se vê barrada pelos nazistas de sua atividade docente.
Na quinta-feira Santa, durante a Hora Santa na Igreja do Carmelo de Colônia, Jesus a faz “povo”.
Em 30 de abril, domingo do Bom Pastor, o Salvador a faz compreender que seu caminho agora está no Carmelo.
Em 15 de julho deixa Münster e vai para Colônia para iniciar uma experiência prévia a sua entrada no Carmelo.
De 15 de agosto a 13 de outubro regressa a Breslávia para despedir-se de sua família e comunicar-lhes seu ingresso no Carmelo. Sua mãe e família não aceitam, mas Edith Stein estava serena e convencida de sua decisão tão profundamente pensada.
Carmelita descalça
(1933 – 1942)
1933: Em 14 de outubro ingressa no Carmelo descalço de Colônia. Apesar de não ter conseguido convencer a sua mãe de apoiar a sua decisão, Edith Stein que atravessou o umbral da casa do Senhor com profunda paz.
1934: Em 15 de abril recebe o hábito como Teresa Benedita da Cruz. O Provincial da Alemanha Padre Teodoro Rauch lhe concede a permissão para que continue sua atividade científica no convento.
1935: Em 21 de abril, domingo do Bom Pastor, faz sua 1ª profissão. Em maio começa sua obra prima: Ser finito e ser eterno.
1936: Em 14 de setembro morre sua mãe na mesma hora em que Edith Stein faz a renovação dos seus votos. No dia 24 de dezembro sua irmã Rosa é batizada em Colônia. Edith Stein conclui a obra Ser finito e ser eterno.
1938: Faz sua profissão solene no dia 21 de abril. No dia 27 deste mês morre Edmund Husserl.
1938: Edith Stein recebe o véu negro no dia 1ª de maio. No dia 31 de dezembro viaja para o Carmelo de Echt, na Holanda.
1939: Se oferece pela paz ao Sagrado Coração. Escreve seu testamento. Sua irmã Rosa chega ao mesmo Carmelo no dia 1º de julho. No dia 1º de setembro a Alemanha invade a Polônia. Alguns familiares de Edith Stein conseguem emigrar aos Estados Unidos, Colômbia e Noruega.
1940: Em maio a Holanda é ocupada pelas tropas de Hitler. Começam os trâmites para transladar Edith Stein e sua irmã Rosa para outro Carmelo em Le Paquier, na Suíça.
1941: Edith Stein escreve um trabalho sobre Pseudo-Dionísio, o Areopagita. Inicia a redação de A Ciência da Cruz. Seus irmãos Frieda e Paul são levados aos campos de concentração.
1942: Em abril, Edith Stein e Rosa são registradas na Gestapo como judias.
1942: Dia 24 de julho as Igrejas católicas holandesas leem uma carta pastoral dos bispos condenando a deportação dos judeus. Dia 2 de agosto Edith Stein e Rosa são capturadas no Carmelo pela SS. Em 4 de agosto são levadas para o campo de Westerbork (Holanda). Em 7 de agosto são deportadas para o campo de Auschwitz-Birkenau. Chegam em 9 de agosto e no mesmo dia são assassinadas junto com outros judeus nas câmaras de gás.
1997: Edith Stein é beatificada pelo Papa João Paulo II.
1998: É canonizada pelo mesmo Papa, no ano em que este publica sua Encíclica Fides et Ratio, onde cita Edith Stein entre os corajosos filósofos que aceitaram colocar em diálogo a própria fé com a sua argumentação racional.
Referências Bibliográficas:
Edith Stein Gesamtausgabe (ordem ESGA):
STEIN, E. Aus dem Leben einer jüdischen Familie und weitere autobiographische Beiträge. ESGA 1. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2010.
___________. Selbstbildnis in Briefen I (1916–1933). ESGA 2. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2010.
___________. Selbstbildnis in Briefen II (1933–1942) ESGA 3. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2006.
___________. Selbstbildnis in Briefen III: Briefe an Roman Ingarden. ESGA 4. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2005.
___________. Zum Problem der Einfühlung. ESGA 5. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2010.
___________. Beiträge zur philosophischen Begründung der Psychologie und der Geisteswissenschaften. ESGA 6. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2010.
___________. Eine Untersuchung über den Staat. ESGA 7. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2006.
___________. Einführung in die Philosophie. ESGA 8. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2010.
___________. Potenz und Akt. Studien zu einer Philosophie des Seins. ESGA 10. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2005.
___________. Endliches und ewiges Sein. Versuch eines Aufstiegs zum Sinne des Seins. ESGA 11/12. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2013.
___________. Die Frau. Fragestellungen und Reflexionen. ESGA 13. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2010.
___________. Der Aufbau der menschlichen Person. Vorlesung zur philosophischen Antropologie. ESGA 14. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2010.
___________. Kreuzeswissenschaft: Studie über Joannes vom Kreuz. ESGA 18. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2013.
Obras completas em espanhol (O.C.D):
STEIN, E. Escritos autobiográficos y cartas. V. I. Burgos/Vitoria/Madrid: Editorial Monte Carmelo – Ediciones El Carmen – Editorial de Espiritualidad, 2002.
___________. Escritos filosóficos. Etapa fenomenológica: 1915 – 1920. V. II. Burgos/Vitoria/Madrid: Editorial Monte Carmelo – Ediciones El Carmen – Editorial de Espiritualidad, 2002.
___________. Escritos filosóficos. Etapa de pensamiento cristiano: 1921 – 1936. V. III. Burgos/Vitoria/Madrid: Editorial Monte Carmelo – Ediciones El Carmen – Editorial de Espiritualidad, 2002.
___________. Escritos antropológicos y pedagógicos. Magisterio de vida cristiana: 1926 – 1933. V. IV. Burgos/Vitoria/Madrid: Editorial Monte Carmelo – Ediciones El Carmen – Editorial de Espiritualidad, 2003.
___________. Escritos espirituales. En el Carmelo Teresiano: 1933 – 1942. V. V. Burgos/Vitoria/Madrid: Editorial Monte Carmelo – Ediciones El Carmen – Editorial de Espiritualidad, 2004.
Obras de Edith Stein em português:
___________. A ciência da cruz. Trad. D. Beda Kruse. São Paulo: Edições Loyola, 1988.
___________. A mulher. Sua missão segundo a natureza e a graça. Trad. Alfred J. Keller. Bauru, SP: EDUSC, 1999.
___________. Vida de uma família judia e outros escritos autobiográficos. Trad. Maria do Carmo Wollny, Renato Kirchner; revisão técnica de Juvenal Savian Filho. São Paulo: Paulus, 2018. – Coleção Obras de Edith Stein.
___________. Textos sobre Husserl e Tomás de Aquino. Trad. Ursula Anne Matthias… [et al.]; revisão técnica de Juvenal Savian Filho. São Paulo: Paulus, 2019. – Coleção Obras de Edith Stein.
___________. Uma investigação sobre o Estado. Trad. Maria Christina de Souza Campos. São Paulo: Paulus, 2022. Coleção Obras de Edith Stein.
Biografia de Edith Stein em francês:
DIDER-MARIE GOLAY, O.C.D. Devant Dieu pour tous. Vie et message de Edith Stein. Avec la collaboration de: Robert ARCAS, Vincent AUCANTE, Renée BEDARIDA, Jean DUJARDIN, Michel DUPUIS, Jean-François LAVIGNE, Marguerite LÉNA, Cécile RASTOIN, Marie-Dominique RICHARD, Francisco Javier SANCHO FERMÍN. Paris: CERF, 2009.
Teresa de Jesus – obras completas em espanhol (O.C.D):
TERESA DE JESUS, Obras completas. São Paulo: Editora Loyola e Edições Carmelitanas, OCD, 1995.
Notas
- No final desse texto se encontra, em ordem cronológica, uma pequena biografia de Edith Stein com mais detalhes de sua vida.
- STEIN, E. Vida de uma família judia e outros escritos autobiográficos. Trad. Maria do Carmo Wollny, Renato Kirchner; revisão técnica de Juvenal Savian Filho. São Paulo: Paulus, 2018, p. 164.
Obras completas. Escritos autobiográficos y cartas. V. I. (OC I). Burgos–Vitoria–Madrid: Ed. Monte Carmelo–Ed. el Carmen–Ed. de Espiritualidad, 2002, p. 257.
Aus dem Leben einer jüdischen Familie und weitere autobiographische Beiträge. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2010. ESGA 1, p. 100.
Em nome da clareza, nas citações, o nome da obra aparecerá em lugar de seu ano de publicação. Serão utilizadas as Obras Completas de Edith Stein editadas em espanhol, por serem mais acessíveis ao público brasileiro, com a indicação do respectivo volume: OC I, II, III, IV ou V. A partir da segunda menção será indicado, o título em português, traduzido, muito embora a página referida seja a do exemplar em espanhol. Além disso, aparecerá a citação na edição crítica alemã das obras de Edith Stein: Edith Stein Gesamtausgabe (ESGA). Nas obras já traduzidas para o português, essa referência virá em primeiro lugar, como é o caso dos escritos autobiográficos de Edith Stein, cuja tradução brasileira foi publicada após a escritura desse artigo. - O Círculo Fenomenológico de Gotinga reunia vários alunos e estudiosos em torno a Edmund Husserl. Eles buscavam aplicar o método fenomenológico desenvolvido pelo mestre em vários campos do saber, de acordo com seus interesses e especialidades. Por exemplo, entre os vários membros do Círculo Adolf Reinach o aplicava ao campo do direito, Dietrich von Hildebrand ao campo da ética, Alexandre Koyré ao das ciências exatas, Roman Ingarden ao da estética, Hedwig Conrad Martius ao da filosofia natural ou cosmologia. Edith Stein se interessa pela aplicação do método fenomenológico ao campo da psicologia nascente, que atualmente identificaríamos como o campo da antropologia filosófica.
- Edith Stein refere-se à Teresa D’Ávila como Santa Teresa, Teresa de Jesus, Madre Teresa ou simplesmente Teresa.
- STEIN, E. Como cheguei ao Carmelo de Colônia (1938). Cómo llegué al Carmelo de Colonia. OC I, p. 493- 510. Ein Beitrag zur Chronik des Kölner Karmel. ESGA 1, p. 345 – 362.
Esse escrito de 1938 continua a narração de sua autobiografia, feita em 1933 e é publicada no Brasil sob o título de Vida de uma família judia e outros escritos autobiográficos, p. 535 – 561. - STEIN, E. Como cheguei ao Carmelo de Colônia. OC I, p. 500; ESGA 1, p. 350.
- Edith Stein estava convicta da possibilidade de um diálogo entre a fenomenologia de Husserl e a filosofia aristotélico-tomista. Um exemplo prático se encontra no diálogo fictício entre Husserl e Tomás de Aquino escrito por ela em 1929 para atender ao pedido de um artigo feito por Heidegger para ser publicado em um Festschrift em comemoração ao 70º aniversário natalício de Husserl. Este texto foi traduzido para o português: STEIN, “O que é filosofia? Uma conversa entre Edmund Husserl e Tomás de Aquino”. Encontra-se no segundo volume da Coleção Obras de Edith Stein publicado pela Paulus: Textos sobre Husserl e Tomás de Aquino. Trad. Ursula Anne Matthias… [et al.]; revisão técnica de Juvenal Savian Filho. São Paulo: Paulus, 2019.
- Um estudo detalhado do conceito de alma em três períodos da vida de Edith Stein se encontra na dissertação de mestrado, defendida na UNIFESP em setembro de 2014 por Maria Cecilia Isatto PARISE: As colorações da alma na análise da pessoa humana segundo Edith Stein (
http://ppg.unifesp.br/filosofia/dissertacoes-defendidas-versao-final/dissertacao-maria-cecilia-isatto-parise) - STEIN, E. Como cheguei ao Carmelo de Colônia, p. 543. OC I, p. 500; ESGA 1, p. 350.
- STEIN, E. Amor con amor – vida y obra de santa Teresa de Jesús. Obras Completas, Escritos espirituales. En el Carmelo Teresiano: 1933-1942, V. V. (OC V) Burgos–Vitoria–Madrid: Ed. Monte Carmelo–Ed. el Carmen–Ed. de Espiritualidad, 2004, p.491-541. ESGA 19, p.60-114. Nesse ensaio não trataremos desta biografia, mas convidamos o leitor a visitar essa belíssima obra de Edith Stein.
- STEIN, E. Una mestra en la éducation y en la formación. OC V, p. 54-78.
- STEIN, E. El castillo interior. Obras completas, Escritos espirituales. En el Carmelo Teresiano: 1933-1942, V. V. Burgos–Vitoria–Madrid: Ed. Monte Carmelo–Ed. el Carmen–Ed. de Espiritualidad, 2004, OC V, p.80 -106. Die Seelenburg. Anhang II. In Endliches und edwiges Sein. Versuch eines Aufstiegs zum Sinne des Seins. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2013. ESGA 11/12, p. 501-525. O castelo interior foi redigido no Carmelo provavelmente no início de 1936 para ser publicado como apêndice de sua maior obra, Ser finito e ser eterno.
- STEIN, E. Kreuzeswissenschaft: Studie über Joannes vom Kreuz. ESGA 18. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2013. Existe uma tradução dessa obra A Ciência da Cruz para o português, feita por D. Beda Kruse. São Paulo: Loyola, 1988. Utilizaremos esta tradução quando citarmos alguma referência desse texto, além da edição crítica alemã.
- Der tiefste Punkt ist zugleich der Ort ihrer Freiheit: der Ort, an dem sie ihr ganzes Sein zusammenfassen und darüber entscheiden kann. Ciência da Cruz, p. 134; ESGA 18, p.133.
- STEIN, E. O castelo interior. OC V, p. 80. ESGA 11/12, p. 501.
- TERESA DE JESUS, Obras completas. São Paulo: Editora Loyola e Edições Carmelitanas, OCD, 1995. P.11-291.
- STEIN, E. Uma mestra na educação e na formação. OC V, p. 59.
- „Erkennt die Seele sich selbst, so erkennt Sie Gott in sich.“ AGOSTINHO, De Trinitate. Apud: STEIN, E. Der Aufbau der menschlichen Person. Vorlesung zur philosophischen Antropologie. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2010. A estrutura da pessoa humana. OC IV, p. 572. ESGA 14, p. 12 [Parte I, A, II, §1c].
Para Edith Stein, Santo Agostinho foi quem respondeu a esse pedido de conversão de modo mais determinado, o que pode ser verificado em sua afirmação: “Noli foras ire, in eipsum rede, in interiore homine habitat veritas”.
- STEIN, E. O castelo interior. OC V, p. 80. ESGA 11/12, p. 501.
- Idem, ib.
- STEIN, E. O castelo interior. OC V, p. 80. ESGA 11/12, p. 501.
- STEIN, E. O castelo interior. OC V, p. 81. ESGA 11/12, p. 502. Edith Stein coloca em nota que essa expressão deve ter sido tomada de João 14,2. Embora a Santa não faça referência explícita a isso, diz Edith Stein na nota 3, é bem provável que ela tenha se inspirado nesse trecho do Evangelho de João.
- Idem, ib. Nota 5. Quando a citação é retirada do texto de Teresa de Jesus, Edith Stein coloca em nota a referência ao texto, indicando a morada, o capítulo e a seção onde se encontra a citação. Neste caso a analogia do palmito se encontra em: 1M 2,8 – primeira morada, capítulo 2, item 8. Quando ocorrerem tais citações, as referências dadas por Edith Stein em nota também serão citadas com a numeração que se encontra na edição crítica alemã (ESGA).
- STEIN, E. O castelo interior. OC V, p. 81. ESGA 11/12, p. 502.
- Idem, ib. OC V, p. 82. ESGA 11/12, p. 503.
- Idem, ib. OC V, p. 83. ESGA 11/12, p. 503.
- Idem, ib.
- Depois da apresentação do texto das moradas de Santa Teresa, Edith Stein tentará ampliá-lo, utilizando seus conhecimentos fenomenológicos da essência do ser humano para analisar se existem outras maneiras pelas quais a alma pode entrar no seu interior sem ser pelo caminho da oração.
- Idem, ib. OC V, p. 83. ESGA 11/12, p. 503. As palavras em itálico encontram-se no texto de Edith Stein.
- Idem, ib. “Lágrimas” em itálico, no texto.
- Idem, ib.
- Essa observação de Santa Teresa colocada em relevo por Edith Stein será utilizada quando ela buscar fundamentar um outro modo possível de se entrar no próprio interior e, encontrando-se, encontrar Deus. Essa foi a experiência da própria Edith, que agora busca descrevê-la em termos essenciais e universais, válido para todos e qualquer ser humano, utilizando-se do método fenomenológico.
- Idem, ib. OC V, p. 84. ESGA 11/12, p. 504.
- Idem, ib. Nota 11. 4M 2,4.
- Idem, ib. Nota 13. 4M 2,6.
- Idem, ib. OC V, p. 86. ESGA 11/12, p. 506. Nota 16. 4M 3,6.
- Idem, ib. OC V, p. 86. ESGA 11/12, p. 506-507. Nota 18. 4M 3,9.
- Idem, ib. OC V, p. 86. ESGA 11/12, p. 507. Nota 21. 5M 1,5.
- Idem, ib. OC V, p. 86. ESGA 11/12, p. 507. Nota 21. 5M 1,5.
- Idem, ib. OC V, p. 86. ESGA 11/12, p. 507.
- Idem, ib. Essa observação também corroborará para a exposição fenomenológica de outras possibilidades de uma alma entrar no seu interior e encontrar-se com Deus, mesmo que não tenha consciência disso.
- Idem, ib. OC V, p. 86. ESGA 11/12, p. 507.
- Idem, ib. OC V, p. 86. ESGA 11/12, p. 508. Também essa constatação será usada por Edith Stein em sua análise das moradas à luz da filosofia moderna.
- Idem, ib. OC V, p. 88. ESGA 11/12, p. 509. Nota 27. 5M 2,4.
- Idem, ib. Nota 28. Edith Stein cita em nota onde se encontra essa passagem que foi indicada por Santa Teresa em seu texto – Colossenses 1, 3-4 – não mais fazendo como a Santa, “de memória”, mas transcrevendo-a do texto bíblico.
- Idem, ib. OC V, p. 88. ESGA 11/12, p. 509. Nota 30. 5M 2,5.
- Idem, ib. OC V, p. 88. ESGA 11/12, p. 509. Edith Stein coloca esse termo em itálico no seu texto, provavelmente para chamar a atenção para a humildade da Santa.
- Idem, ib. OC V, p. 89. ESGA 11/12, p. 509. Nota 32. 5M 2,8.
- Idem, ib. OC V, p. 91. ESGA 11/12, p. 511. Nota 43. 6M 1, 13. Teresa de Jesus está falando aqui de sua própria experiência com Deus.
- Idem, ib. OC V, p. 91. ESGA 11/12, p. 512. Nota 46. 6M 2, 5.
- Idem, ib. OC V, p. 93. ESGA 11/12, p. 514. Nota 59. 6M 4, 6. Na tradução espanhola “o mais íntimo da alma” aparece, erroneamente, como “memória”. Tanto a edição crítica alemã de Edith Stein quanto a edição das Obras Completas de Teresa de Jesus utilizam “o mais íntimo da alma” [dem Innersten der Seele].
- Idem, ib. OC V, p. 94. ESGA 11/12, p. 515. Nota 66. 6M 4, 14.
- Idem, ib. OC V, p. 94. ESGA 11/12, p. 515. Nota 67. 6M 5, 1.
- Idem, ib. OC V, p. 95. ESGA 11/12, p. 515. Nota 69. 6M 5, 9.
- Zum Problem der Einfühlung. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2010. O problema da empatia, ESGA 5, p. 63 [Parte III, §4. a].
- Nas lições de 1932, sobre a estrutura da pessoa humana, Edith Stein diferencia a alma não apenas da corporeidade humana, mas também do espírito, visto ser possível falar de um “núcleo da alma” como o centro a existência humana. A alma é todo o ser humano, o seu “eu”, e nela se encontra o espírito, além de estar essencialmente unida com o corpo, apesar de não se identificar completamente com ele: “A ‘alma da alma’ é uma realidade espiritual e a alma como totalidade é um ser espiritual. O que é peculiar nela é que possui uma interioridade, um centro, de onde ela pode sair para se encontrar com os objetos e aos quais se reporta quando os recebe do exterior, um centro de onde também pode sair de si mesmo, doando-se no exterior. Aqui encontramos o centro da existência humana.” A estrutura da pessoa humana. OC IV, p. 706. ESGA 14, p. 129 [Parte VII, III, §4 j].
- O castelo interior. OC V, p. 95. ESGA 11/12, p. 515. Nota 70. 6M 5, 10.
- Idem, ib. OC V, p. 95. ESGA 11/12, p. 515. Nota 71. 6M 6, 6.
- Idem, ib. OC V, p. 95. ESGA 11/12, p. 517. Nota 73. 6M 7, 7.
- Idem, ib. OC V, p. 96. ESGA 11/12, p. 517. Nota 78. 7M 1, 6.
Edith Stein assinala o grande conhecimento teológico a que chegou Teresa de Jesus sem ter estudado teologia, tendo apenas se dedicado a estar cada vez mais unida a Deus. - Idem, ib. OC V, p. 96-97. ESGA 11/12, p. 517. Nota 80. 7M 1, 10.
- Idem, ib. OC V, p. 97. ESGA 11/12, p. 517. Nota 81. 7M 1, 11.
- Idem, ib. OC V, p. 97. ESGA 11/12, p. 517-518. Nota 83. Lc 24, 36.
Aparece em nota na edição crítica alemã a referência bíblica dessa passagem citada por Santa Teresa: Evangelho de São Lucas 24, 36. - Com essa observação Edith Stein quer acentuar a grande humildade de Santa Teresa, que não acredita ter obtido tais favores de Deus por merecimento, mas apenas para o serviço de suas irmãs.
- O castelo interior. OC V, p. 97. ESGA 11/12, p. 518. Nota 84. 7M 2, 3.
- Idem, ib. OC V, p. 97. ESGA 11/12, p. 518. Nota 85. 7M 2, 6. Colocamos essa citação tal como se encontra na edição crítica alemã de Edith Stein, que confere com o texto das Moradas de Santa Teresa. A tradução espanhola modifica um pouco a frase.
- Idem, ib. OC V, p. 98. ESGA 11/12, p. 518. Nota 86. 7M 2, 9.
- Idem, ib. OC V, p. 98. ESGA 11/12, p. 518. Nota 87. 7M 3, 2.
- Idem, ib. OC V, p. 98. ESGA 11/12, p. 519. Nota 89. 7M 3, 6.
- Idem, ib. OC V, p. 98. ESGA 11/12, p. 519. Nota 91. 7M 3, 8.
- Idem, ib. OC V, p. 99. ESGA 11/12, p. 519. Nota 94. 7M 4, 4.
- Idem, ib. OC V, p. 99. ESGA 11/12, p. 519. Nota 95. 7M 4,6.
- Idem, ib. OC V, p. 100. ESGA 11/12, p. 520.
- Idem, ib.
- Idem, ib. OC V, p. 100-101. ESGA 11/12, p. 520-521.
- Idem, ib. OC V, p. 101. ESGA 11/12, p. 521. Edith Stein está se referindo à sua própria experiência de Deus, cujo percurso foi diferente do de Teresa de Jesus, embora ambas tenham chegado a um mesmo ponto: a vida de intimidade da própria alma consigo e com Deus.
- Edith Stein está mais uma vez referindo-se à sua própria experiência pessoal, visto que passou por várias crises, algumas em sua infância e sua adolescência, que lhe despertaram desde cedo o interesse pelo estudo da natureza humana.
- O castelo interior. OC V, p. 101. ESGA 11/12, p. 521.
- Idem, ib. OC V, p. 102. ESGA 11/12, p. 521.
- Idem, ib. OC V, p. 102. ESGA 11/12, p. 522.
- Idem, ib. OC V, p. 102. ESGA 11/12, p. 522.
- Idem, ib. OC V, p. 103. ESGA 11/12, p. 522.
- Idem, ib. OC V, p. 103. ESGA 11/12, p. 522-523.
- PFÄNDER, A. Die Seele des Menschen. Versuch einer verstehenden Psychologie. Halle a. S. 1933, p. 226. Apud: STEIN, E. Castelo interior, OC V, p. 103. ESGA 11/12, p. 522.
- Pensamos aqui em Heidegger, que segundo Edith Stein procurou discorrer sobre essa necessária busca do Ser pelo ser humano, mas acabou limitando-a a finitude do mundo, excluindo Deus e colocando o próprio ser humano em sua finitude como único protagonista dessa sua busca.
No segundo apêndice de Ser finito e ser eterno, intitulado A filosofia existencial de Martin Heidegger, Edith Stein trata desse tema. Esse texto encontra-se em STEIN, E. Obras completas. Escritos filosóficos. Etapa de pensamiento cristiano: 1921-1936. V. III. Burgos–Vitoria–Madrid: Ed. Monte Carmelo–Ed. el Carmen–Ed. de Espiritualidad, 2002. P. 1137-1200. Na edição alemã das obras críticas se encontra colocado logo antes do texto do castelo interior de Teresa de Jesus: ESGA 11/12. Endliches und ewiges Sein. Versuch eines Aufstiegs zum Sinne des Seins. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2013.P. 445 – 499.
A intenção de colocar esses dois textos lado a lado, embora escritos por pessoas de períodos e condições de vida bem distintas, deixa claro que eles representam duas propostas possíveis para se conduzir a análise da essência do ser humano. Teresa de Jesus utiliza a imagem do Castelo com suas moradas, faz a experiência de penetrar nele e lá encontra a sua essência, além e encontrar-se com Deus. Heidegger também busca essa mesma essência, mas ele decide ocupar-se apenas da dimensão finita do ser humano, ou ainda, permanece nas muralhas exteriores do castelo de sua própria alma. São duas soluções possíveis, visto que, segundo Edith Stein, existem muitos seres humanos que vivem no exterior. Mas o que mais a intriga é que Heidegger coloca questões que aparentemente só são capazes de serem formuladas por alguém que teve uma experiência de seu íntimo. Parece, no entanto, que essa experiência não é levada em conta por Heidegger como material para sua análise do ente que se coloca a questão pelo ser. - Castelo interior, OC V, p. 103. ESGA 11/12, p. 523.
- Idem, ib. OC V, p. 104. ESGA 11/12, p. 523.
- Idem, ib. OC V, p. 104. ESGA 11/12, p. 523.
- Idem, ib. OC V, p. 104. ESGA 11/12, p. 523.
- Idem, ib. OC V, p. 104-105. ESGA 11/12, p. 524.
- Idem, ib. OC V, p. 105. ESGA 11/12, p. 524.
- Idem, ib. OC V, p. 105. ESGA 11/12, p. 524.
- Idem, ib. OC V, p. 105. ESGA 11/12, p. 524.
- Idem, ib. OC V, p. 105. ESGA 11/12, p. 524.
- Idem, ib. OC V, p. 105-106. ESGA 11/12, p. 525.
- Idem, ib. OC V, p. 106. ESGA 11/12, p. 525. Ou seja, a liberdade do ser humano é condição necessária, mas não suficiente, para a alma habitar no seu íntimo. Ela conta com a liberdade e o amor de Deus, quer saiba disso ou não.
- Idem, ib. OC V, p. 106. ESGA 11/12, p. 526. Essa foi provavelmente a experiência da própria Edith Stein.
- STEIN, E. Ciência da Cruz, p. 139; ESGA 18, p.138 [Parte 2, §3, b, d].
- Em nome de Deus… Em nome da Igreja… Em nome da Humanidade. Papa João Paulo II. Textos Extraídos do Jornal L’Osservatore Romano. Org. Antônio Claret Chaves Martins e Maria Antonio Pires de Carvalho Figueiredo. Bauru: EDUSC, 1998, §5 da homilia de canonização, p. 31-32.